Stellar vs Ripple: Análise Profunda para Investidores Brasileiros
Desde a sua criação, Stellar (XLM) e Ripple (XRP) têm sido apontadas como as duas principais plataformas de pagamentos transfronteiriços baseadas em blockchain. Ambas prometem transações rápidas, custos reduzidos e interoperabilidade com o sistema financeiro tradicional, mas adotam arquiteturas, modelos de consenso e estratégias de mercado bastante diferentes. Neste artigo, vamos dissecar cada camada tecnológica, econômica e regulatória, oferecendo ao público brasileiro – iniciantes e intermediários – uma visão clara para decidir onde alocar recursos ou desenvolver soluções.
Introdução
O cenário de cripto‑ativos no Brasil evoluiu rapidamente nos últimos anos. Conforme dados da CoinMetrics e da Banco Central, o volume de remessas internacionais feitas via blockchain cresceu mais de 350% em 2024, impulsionado por custos menores comparados aos sistemas legacy (SWIFT, bancos tradicionais). Dentro desse contexto, Stellar e Ripple surgem como protagonistas, cada uma com uma proposta de valor distinta.
- Arquitetura de consenso: Stellar usa o Stellar Consensus Protocol (SCP); Ripple utiliza o Ripple Protocol Consensus Algorithm (RPCA).
- Token nativo: XLM (Stellar) vs. XRP (Ripple).
- Modelo de negócios: código aberto e descentralizado (Stellar) vs. empresa privada com foco em parcerias bancárias (Ripple).
- Velocidade e custos: ambos processam transações em < 5 s, mas os custos variam conforme a rede.
- Regulação no Brasil: considerações sobre a classificação de ativos, autorização da CVM e requisitos da Receita Federal.
História e Evolução
Stellar
Lançada em 2014 por Jed McCaleb (co‑fundador da Ripple) e Joyce Kim, a Stellar foi criada com o objetivo de facilitar pagamentos entre moedas fiduciárias e cripto‑ativos, especialmente para populações sub‑bancarizadas. Em 2015, a Stellar Development Foundation (SDF) assumiu a governança, impulsionando projetos como Stellar Anchor e Stellar Distributed Exchange (SDEX). Desde então, a rede tem sido adotada por empresas como IBM (Projeto World Wire) e por bancos regionais na África e América Latina.
Ripple
A Ripple foi fundada em 2012, inicialmente como OpenCoin, com a missão de substituir o SWIFT por uma rede de pagamentos baseada em blockchain. Em 2015, a empresa mudou seu nome para Ripple Labs e lançou o RippleNet, uma rede de bancos e provedores de pagamento conectados via o protocolo XRP Ledger (XRPL). Em 2023, a Ripple firmou parcerias estratégicas com o Banco do Brasil e a fintech Nubank, ampliando seu alcance no mercado brasileiro.
Arquitetura Técnica
Protocolo de Consenso
Ambas as redes utilizam algoritmos de consenso baseados em Byzantine Fault Tolerance (BFT), porém com diferenças operacionais:
- Stellar Consensus Protocol (SCP): Implementa o algoritmo Federated Byzantine Agreement (FBA), onde cada nó escolhe um conjunto de quóruns de confiança. Isso permite alta tolerância a falhas e flexibilidade na escolha de parceiros de consenso.
- Ripple Protocol Consensus Algorithm (RPCA): Também FBA, mas com validação centralizada em nós confiáveis (UNL – Unique Node List). As instituições financeiras submetem suas listas de nós confiáveis, o que pode gerar maior controle, porém menor descentralização.
Do ponto de vista de segurança, o SCP tende a ser mais resistente a ataques de censura, já que nenhum nó tem poder de decisão absoluto. Já o RPCA oferece maior previsibilidade operacional, essencial para bancos que demandam consistência regulatória.
Estrutura de Dados e Transações
Ambas as redes utilizam um ledger de contabilidade em formato de contas‑base, mas com peculiaridades:
- Stellar: Cada conta pode armazenar múltiplos ativos (XLM, tokens emitidos por emissores, stablecoins). As transações são operations que podem incluir pagamentos, criação de ofertas, gerenciamento de trustlines, etc.
- Ripple: O XRPL permite apenas três tipos de objetos: contas, ofertas (order book) e escrow. O token XRP funciona como “ponte” para liquidação, mas a rede também suporta issued currencies (IOUs) via Trustlines.
Essa diferença impacta diretamente a flexibilidade de desenvolvimento: Stellar oferece um modelo mais genérico para emissão de ativos, ideal para projetos DeFi, enquanto Ripple foca em liquidação de moedas fiduciárias através do XRP.
Performance e Escalabilidade
Ambas as blockchains processam blocos a cada 2‑5 segundos, resultando em cerca de 2.000‑3.000 transações por segundo (TPS) em condições ideais. No entanto, a arquitetura de rede pode influenciar a latência real:
- Stellar: O SCP permite que blocos sejam validados em paralelo por diferentes quóruns. Testes internos da SDF mostram latência média de 3 s para pagamentos inter‑moeda.
- Ripple: O RPCA depende da convergência do UNL, o que pode gerar picos de latência em períodos de alta volatilidade. Em 2024, a Ripple reduziu a latência para 2,5 s através de otimizações no algoritmo de votação.
Para usuários brasileiros, a diferença de alguns segundos costuma ser imperceptível, mas é crucial para aplicações de alta frequência, como arbitragem entre exchanges.
Modelo Econômico e Tokenomics
Stellar (XLM)
O suprimento total de XLM foi inicialmente de 100 biliões, mas a SDF realizou um “burn” de 55 biliões em 2019, reduzindo o total para 45 biliões. Não há mecanismo de inflação; a emissão está parada. As taxas de transação são extremamente baixas – 0,00001 XLM por operação – o que equivale a menos de R$0,001 (considerando XLM ≈ R$0,20 em 2025).
Ripple (XRP)
O XRP possui um suprimento fixo de 100 biliões, dos quais aproximadamente 55 biliões permanecem sob controle da Ripple Labs em contas de escrow, liberadas mensalmente (≈ 1 bilião por mês). As taxas de transação são também mínimas, tipicamente 0,00001 XRP (cerca de R$0,0003). A presença de um grande volume de XRP em escrow garante previsibilidade de oferta, mas cria debates sobre centralização.
Casos de Uso no Brasil
Remessas Internacionais
Segundo o Banco Central, o volume de remessas enviadas por brasileiros ao exterior ultrapassou US$ 12 bi em 2024. Tanto Stellar quanto Ripple têm sido testadas por fintechs como a Remessa Online (Stellar) e a Pix Remessa (Ripple) para reduzir custos de operação.
Integração com o Sistema Financeiro Nacional (SFN)
A Banco Central lançou o Regulamento de Ativos Digitais (RADI), permitindo que bancos utilizem DLTs para liquidação em tempo real. O RippleNet já foi aprovado em testes piloto com o Banco do Brasil, enquanto a SDF tem projetos piloto com cooperativas de crédito no Nordeste.
Stablecoins e Tokenização de Ativos
Stellar tem se destacado na emissão de stablecoins lastreadas em Real (ex.: BRL‑XLM), facilitando a conversão rápida entre fiat e cripto. Ripple, por outro lado, tem focado na tokenização de títulos públicos, usando o XRP como camada de liquidação.
Segurança e Auditoria
Ambas as redes passaram por auditorias independentes. Em 2023, a ChainSecurity auditou o código-fonte do XRPL, confirmando ausência de vulnerabilidades críticas. A SDF, por sua vez, contratou a Trail of Bits para revisar o SCP, resultando em recomendações que já foram implementadas.
Para investidores brasileiros, a segurança da rede se traduz em menor risco de perda de fundos e maior confiança dos reguladores ao autorizar parcerias bancárias.
Regulação e Conformidade no Brasil
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) incluiu o XRP e o XLM na lista de ativos passíveis de rastreamento em 2024, exigindo que exchanges forneçam relatórios de transações acima de R$5.000. Além disso, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ainda debate se o XRP pode ser classificado como security, enquanto o XLM é amplamente considerado utility token.
Essas nuances impactam diretamente a tributação: enquanto a Receita Federal trata os ganhos com XLM como ganho de capital, para XRP pode ser necessário declarar como renda de capital mobiliário, dependendo da classificação adotada.
Comparativo Direto
| Critério | Stellar (XLM) | Ripple (XRP) |
|---|---|---|
| Fundação | 2014 – SDF (organização sem fins lucrativos) | 2012 – Ripple Labs (empresa privada) |
| Algoritmo de consenso | SCP (FBA descentralizado) | RPCA (FBA com UNL) |
| Velocidade média | 3 s por transação | 2,5 s por transação |
| Custos de taxa | ≈ 0,00001 XLM (< R$0,001) | ≈ 0,00001 XRP (< R$0,0003) |
| Suprimento total | 45 biliões (sem inflação) | 100 biliões (escrow controlado) |
| Descentralização | Alta (quóruns de confiança abertos) | Média (UNL controlado por entidades) |
| Ecossistema DeFi | Robusto – SDEX, anchors, tokenização | Limitado – foco em pagamentos B2B |
| Parcerias no Brasil | IBM, Banco do Nordeste, fintechs regionais | Banco do Brasil, Nubank, PIX Remessa |
| Compliance regulatório | Classificado como utility | Em debate – possível security |
Como Escolher a Plataforma Ideal?
Para investidores iniciantes, a decisão pode ser guiada por três fatores principais:
- Objetivo de uso: Se o foco for criar stablecoins ou tokens personalizados, Stellar oferece ferramentas mais flexíveis. Para pagamentos B2B e liquidação de remessas, Ripple tem parcerias consolidadas.
- Risco regulatório: O XLM tende a enfrentar menos barreiras regulatórias no Brasil, enquanto o XRP pode ser alvo de classificações como security.
- Estrutura de custos: Ambas têm taxas quase nulas, mas o acesso a liquidez pode ser mais fácil no RippleNet, que já possui conexão direta com bancos.
Uma estratégia híbrida também é viável: usar Stellar para tokenização de ativos internos e Ripple para liquidação de pagamentos internacionais.
Passos Práticos para Começar
- Abra uma conta em uma exchange confiável que suporte XLM e XRP (ex.: Mercado Bitcoin, Binance Brasil).
- Transfira os fundos para uma carteira compatível – Ledger Nano X ou Trust Wallet – garantindo controle das chaves privadas.
- Teste uma transferência de pequeno valor (ex.: R$10) entre duas contas Stellar ou Ripple para validar velocidade e taxas.
- Se o objetivo for enviar remessa ao exterior, compare as cotações de conversão oferecidas por provedores que utilizam Stellar (ex.: Remessa Online) vs. Ripple (ex.: Pix Remessa).
- Registre todas as transações no seu extrato para fins de declaração à Receita Federal.
Desafios e Perspectivas Futuras
Ambas as redes enfrentam desafios críticos que podem influenciar sua adoção nos próximos anos:
- Escala global: A competição com outras DLTs de alta performance, como Solana e Avalanche, pode exigir upgrades de protocolo.
- Regulação: A definição clara da classificação de XRP pela CVM pode impactar seu preço e liquidez.
- Integração com CBDCs: O Banco Central Brasileiro está desenvolvendo um Real Digital (BRD). Stellar já tem implementações piloto de CBDC, enquanto Ripple está negociando parceria para usar o XRPL como camada de liquidação.
Em síntese, Stellar e Ripple continuam sendo pilares fundamentais para o futuro dos pagamentos digitais no Brasil. A escolha entre um e outro dependerá do perfil de risco, da necessidade de customização e da estratégia de negócios.
Conclusão
Stellar e Ripple apresentam arquiteturas robustas, custos quase nulos e velocidades que rivalizam com os sistemas bancários tradicionais. Enquanto Stellar se destaca pela flexibilidade de tokenização e forte comunidade open‑source, Ripple oferece uma rede consolidada de parceiros financeiros e um modelo de negócios que facilita a adoção institucional.
Para o investidor brasileiro, a recomendação final é analisar o objetivo de uso: projetos DeFi, emissão de stablecoins ou tokens personalizados apontam para Stellar; pagamentos B2B, remessas internacionais e integração com grandes bancos favorecem Ripple. Em ambos os casos, a atenção à regulação local e à correta declaração tributária será decisiva para garantir segurança e rentabilidade.