O que é o “The Graph” e como indexa os dados da blockchain

O que é o “The Graph” e como indexa os dados da blockchain

Nos últimos anos, a explosão de aplicações descentralizadas (dApps) trouxe à tona um novo desafio: acessar e consultar dados armazenados em blockchains de forma rápida e eficiente. Diferente de bancos de dados tradicionais, as blockchains são estruturas imutáveis e distribuídas que não foram projetadas para consultas complexas. É aqui que entra The Graph, um protocolo de indexação que funciona como o Google da Web3. Neste artigo, vamos mergulhar profundamente no funcionamento do The Graph, entender sua arquitetura, explorar casos de uso e analisar como ele se posiciona no ecossistema de Ethereum e outras cadeias.

1. Por que precisamos de um mecanismo de indexação?

Blockchains como Ethereum, Binance Smart Chain (BSC) e Polygon armazenam transações em blocos encadeados. Cada bloco contém um conjunto de transações e um state root que representa o estado completo da rede naquele ponto. Quando um desenvolvedor deseja ler dados – por exemplo, o saldo de um token ERC‑20 ou o histórico de eventos de um contrato inteligente – ele precisa:

  • Buscar o bloco correto;
  • Decodificar logs de eventos (logs são armazenados em formato binário);
  • Executar chamadas de leitura (calls) contra o estado da blockchain.

Essas operações são custosas em termos de tempo e recursos, principalmente quando a aplicação precisa de respostas em tempo real. Sem um índice, cada consulta implica percorrer toda a cadeia ou depender de um nó completo, o que não escala para milhões de usuários.

2. The Graph: conceito e componentes principais

The Graph foi lançado em 2020 como um protocolo aberto e descentralizado que permite que desenvolvedores criem subgraphs – definições de como indexar e consultar dados de uma ou mais blockchains. Os principais componentes são:

  1. Subgraph Manifest (arquivo YAML): descreve quais contratos serão monitorados, quais eventos devem ser extraídos e como os dados serão transformados.
  2. Graph Node: servidores que leem blocos, processam eventos conforme o manifesto e armazenam os resultados em bancos de dados otimizados para consultas.
  3. GraphQL API: camada de consulta que permite que aplicações façam chamadas usando a linguagem de consulta GraphQL, retornando apenas os campos solicitados.
  4. Indexer, Curator e Delegator: papéis da rede descentralizada que garantem a disponibilidade, qualidade e incentivo econômico ao ecossistema.

Em resumo, ao registrar um subgraph, o desenvolvedor define o que deve ser indexado; o Graph Node faz o como e disponibiliza a API para o quem (front‑ends, bots, analytics) consumir os dados.

3. Como criar um subgraph passo a passo

Para ilustrar, vamos criar um subgraph simples que indexa transferências de um token ERC‑20 padrão.

  1. Instalar o CLI: npm install -g @graphprotocol/graph-cli
  2. Inicializar o projeto: graph init --from-contract 0x... --network mainnet my-token-subgraph
  3. Definir o manifesto (subgraph.yaml):
    source:
      address: "0x..."
      abi: ERC20
      startBlock: 10000000
    
    schema:
      file: ./schema.graphql
    
    mapping:
      kind: ethereum/events
      apiVersion: 0.0.5
      language: wasm/assemblyscript
      entities:
        - Transfer
      abis:
        - name: ERC20
          file: ./abis/ERC20.json
      eventHandlers:
        - event: Transfer(indexed address,indexed address,uint256)
          handler: handleTransfer
        
  4. Escrever o handler (src/mapping.ts) que converte o evento Transfer em uma entidade GraphQL.
  5. Gerar o schema GraphQL (schema.graphql) definindo os campos da entidade Transfer.
  6. Deploy no serviço hospedado de The Graph ou em um nó próprio: graph deploy --node https://api.thegraph.com/deploy/ my-token-subgraph.

Com o subgraph publicado, qualquer aplicação pode consultar:

query {
  transfers(first: 5, orderBy: timestamp, orderDirection: desc) {
    id
    from
    to
    value
    timestamp
  }
}

Essa consulta retorna apenas os campos solicitados, reduzindo a sobrecarga de rede e garantindo respostas em milissegundos.

O que é o
Fonte: Javier Miranda via Unsplash

4. O papel dos Indexers, Curators e Delegators

The Graph opera em uma rede incentivada por seu token nativo, GRT (Graph Token). Cada participante tem funções específicas:

  • Indexers: operam nós que processam subgraphs, recebem taxas de consulta e recompensas em GRT por disponibilizar dados.
  • Curators: sinalizam (signal) subgraphs que consideram de alta qualidade, depositando GRT como garantia. Isso ajuda a classificar quais subgraphs recebem mais recursos.
  • Delegators: delegam seu GRT a indexers confiáveis, recebendo parte das recompensas sem precisar operar infraestrutura.

Esse modelo econômico garante que a rede continue descentralizada, segura e resiliente, ao mesmo tempo em que alinha incentivos com a qualidade dos dados entregues.

5. Casos de uso reais

Várias dApps e protocolos já utilizam The Graph em produção. Alguns exemplos notáveis:

  • Uniswap: indexa pools de liquidez, swaps e histórico de preços, permitindo que interfaces como Como funciona o Ethereum exibam gráficos em tempo real.
  • Sushiswap & PancakeSwap: consultas de farms e recompensas para usuários.
  • Aave e Compound: monitoramento de eventos de empréstimo e taxa de juros.
  • OpenSea: indexação de NFTs para buscas avançadas.

Essas integrações demonstram como o Graph elimina a necessidade de criar servidores de back‑end complexos, reduzindo custos de desenvolvimento e aumentando a velocidade de lançamento.

6. Comparação com outras soluções de indexação

Embora The Graph seja o líder de mercado, existem alternativas emergentes:

Projeto Blockchain suportada Modelo de incentivo Observações
The Graph Ethereum, BSC, Polygon, Avalanche, NEAR, etc. Token GRT + taxas de consulta Ecossistema robusto, grande comunidade.
Covalent Várias (incl. Solana) Modelo SaaS + API paga Focado em dados de camada 2.
Dune Analytics Ethereum Assinaturas premium Ferramenta de visualização avançada.

Para a maioria dos desenvolvedores que buscam descentralização e custos previsíveis, The Graph continua a ser a escolha mais equilibrada.

7. Integração com Web3 e DeFi

Ao conectar um front‑end Web3 a um subgraph, a camada de apresentação pode permanecer lightweight. Por exemplo, uma carteira que exibe o histórico de transações de um usuário pode simplesmente chamar o endpoint GraphQL do subgraph, ao invés de iterar por milhares de blocos. Essa abordagem também melhora a experiência do usuário em dispositivos móveis, onde recursos de CPU e banda são limitados.

O que é o
Fonte: Simona Sroková via Unsplash

Além disso, protocolos DeFi podem usar subgraphs para calcular métricas on‑chain como TVL (Total Value Locked), APRs e rankings de pools, facilitando a criação de dashboards e ferramentas de análise.

8. Desafios e limitações atuais

Apesar de sua popularidade, The Graph ainda enfrenta alguns obstáculos:

  • Latência de indexação: subgraphs podem demorar alguns minutos para refletir o último bloco, o que pode ser crítico para aplicações de alta frequência.
  • Complexidade de desenvolvimento: escrever mapeamentos em AssemblyScript ou Rust requer conhecimento avançado.
  • Dependência de GRT: flutuações no preço do token podem impactar a rentabilidade dos indexers.

O roadmap da comunidade inclui melhorias como real‑time indexing, suporte nativo a Web3 e integração com rollups de camada 2.

9. Como começar a usar The Graph hoje

Se você é desenvolvedor ou entusiasta, siga estes passos para experimentar:

  1. Crie uma conta no The Graph Explorer e obtenha uma chave de API.
  2. Explore subgraphs já publicados – há centenas de exemplos prontos para consulta.
  3. Instale o CLI, crie seu primeiro subgraph (conforme o guia da seção 3) e faça deploy em Hosted Service (gratuito para pequenos projetos).
  4. Integre a consulta GraphQL no seu front‑end usando bibliotecas como apollo-client ou urql.

Com esses passos, você terá uma aplicação Web3 mais rápida, escalável e preparada para o futuro.

10. Conclusão

The Graph está redefinindo a forma como interagimos com dados on‑chain. Ao oferecer um protocolo descentralizado de indexação, ele elimina a necessidade de servidores customizados, reduz custos operacionais e permite que desenvolvedores foquem na camada de experiência do usuário. Seja você um desenvolvedor de dApps, analista DeFi ou entusiasta de Web3, entender como o Graph funciona e como criar subgraphs é essencial para aproveitar ao máximo o potencial das blockchains modernas.

Para aprofundar ainda mais seu conhecimento sobre o ecossistema cripto, confira também os artigos O que é Web3? e Guia Definitivo de Criptomoedas para Iniciantes.