Nos últimos anos, o ecossistema de finanças descentralizadas (DeFi) tem apresentado inovações que desafiam os modelos tradicionais de crédito. Entre elas, o undercollateralized lending – ou empréstimo subcolateralizado – ganha destaque por permitir que usuários obtenham recursos financeiros com garantia inferior ao valor emprestado, algo impensável no mundo tradicional de blockchain.
- Definição clara do conceito.
- Como funciona na prática dentro de protocolos DeFi.
- Principais protocolos que oferecem essa modalidade.
- Riscos associados e estratégias de mitigação.
- Impacto regulatório no Brasil e perspectivas futuras.
O que é Undercollateralized Lending?
Em termos simples, undercollateralized lending permite que o tomador de crédito deixe como garantia um valor menor do que o empréstimo solicitado. Essa dinâmica se baseia em modelos de avaliação de risco avançados, que utilizam históricos de crédito on‑chain, reputação, métricas de comportamento e, em alguns casos, garantias externas.
Ao contrário dos empréstimos colateralizados, que exigem que o usuário bloqueie 150 % ou mais do valor emprestado em ativos digitais, o undercollateralized lending pode operar com índices de colateralização de 50 % a 80 %, dependendo do perfil de risco.
Diferença entre colateralização total e parcial
Em um empréstimo totalmente colateralizado, o risco de inadimplência recai quase que totalmente sobre o tomador, pois o credor pode liquidar o ativo em caso de queda de preço. No modelo subcolateralizado, o risco é distribuído entre o protocolo, os provedores de liquidez e mecanismos de seguro, exigindo, portanto, uma camada adicional de avaliação de crédito.
Como funciona na prática?
O processo pode ser dividido em quatro etapas fundamentais:
- On‑boarding do usuário: O tomador cria uma identidade on‑chain, normalmente vinculada a um wallet que já possui histórico de transações.
- Score de crédito descentralizado: Algoritmos analisam o histórico de pagamentos, volume de trade, participação em pools de liquidez e outros sinais on‑chain para gerar um score.
- Oferta de crédito: Com base no score, o protocolo define um limite de crédito, taxa de juros e taxa de colateralização necessária.
- Gestão de risco contínua: Smart contracts monitoram o valor do colateral e o score do usuário; se houver deterioração, podem acionar margens de segurança ou liquidar parcialmente o ativo.
Alguns protocolos ainda utilizam garantias externas, como contratos de seguro descentralizado (por exemplo, Nexus Mutual) ou garantias fiduciárias emitidas por entidades reguladas.
Principais protocolos que oferecem Undercollateralized Lending
Embora a maioria dos projetos DeFi ainda prefira a colateralização total como padrão de segurança, alguns pioneiros têm explorado o modelo subcolateralizado:
- Arcade: Utiliza um modelo de crédito baseado em reputação on‑chain e permite empréstimos com colateralização a partir de 60 %.
- TrueFi: Um dos primeiros a introduzir crédito sem colateral, usando um pool de credores que avaliam riscos por meio de scores.
- Goldfinch: Focado em mercados emergentes, combina garantias off‑chain (como documentos de renda) com avaliações de risco on‑chain.
- Maple Finance: Oferece linhas de crédito corporativas para projetos DeFi, com análise de risco baseada em auditorias de código e histórico de performance.
Esses protocolos costumam exigir que os credores depositem capital em pools de liquidez, que são então alocados para tomadores aprovados. Em troca, os credores recebem juros variáveis e, em alguns casos, tokens de governança que dão direito a participação nas decisões de risco.
Riscos associados e estratégias de mitigação
Como qualquer operação de crédito, o undercollateralized lending traz riscos específicos:
- Inadimplência: Sem colateral suficiente, o protocolo depende da capacidade de recuperação via seguros ou garantias externas.
- Volatilidade dos ativos: Flutuações bruscas podem reduzir rapidamente o valor do colateral restante.
- Falhas de oracle: Dados de preço imprecisos podem gerar avaliações errôneas de risco.
Para mitigar esses riscos, os projetos adotam:
- Modelos de scoring robustos: Combinação de Machine Learning e análise de redes sociais on‑chain.
- Seguros descentralizados: Cobertura contra eventos de falha de oracle ou liquidação inesperada.
- Taxas de juros dinâmicas: Ajustes automáticos baseados na volatilidade do mercado.
- Reservas de capital: Pools de reserva que atuam como amortecedores em caso de grande número de inadimplências.
Comparação com empréstimos colateralizados tradicionais
| Critério | Colateralizado | Undercollateralized |
|---|---|---|
| Garantia mínima | ≥ 150 % | 50 % – 80 % |
| Taxa de juros | Baixa a moderada | Moderada a alta (compensa risco) |
| Velocidade de aprovação | Instantânea (smart contract) | Alguns segundos a minutos (avaliação de score) |
| Risco para credor | Baixo (colateral cobre) | Alto (depende de score e seguros) |
| Acessibilidade | Limitada a quem possui ativos suficientes | Mais ampla, inclui usuários com menor patrimônio |
Impacto regulatório no Brasil
O Banco Central do Brasil (BCB) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) têm observado de perto o desenvolvimento de soluções DeFi. Embora ainda não exista uma regulamentação específica para empréstimos subcolateralizados, alguns pontos são relevantes:
- Identificação do usuário (KYC): Protocolos que operam com crédito sem colateral tendem a exigir procedimentos de know‑your‑customer para evitar lavagem de dinheiro.
- Contratos de seguro: Seguros descentralizados podem ser enquadrados como produtos de risco e, portanto, sujeitos a supervisão da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).
- Taxas de juros: A Lei da Usura (art. 591 do Código Civil) pode ser aplicada a empréstimos que ultrapassem limites razoáveis, embora a natureza descentralizada dificulte a aplicação direta.
Para investidores brasileiros, a recomendação é acompanhar as publicações do Banco Central e da CVM, bem como buscar projetos que adotem boas práticas de compliance.
Casos de uso práticos no Brasil
Alguns empreendedores já utilizam o undercollateralized lending para financiar operações que não seriam viáveis em exchanges tradicionais:
- Startups de NFTs: Artistas podem antecipar royalties futuros usando seu histórico de vendas como garantia.
- Financiamento de produção agrícola tokenizada: Produtores rurais que tokenizam suas safras podem obter crédito antes da colheita.
- Mercado de jogos Play‑to‑Earn: Jogadores podem alavancar seus ganhos recorrentes para obter capital de giro.
Esses exemplos demonstram como a flexibilidade do modelo subcolateralizado pode ampliar o acesso ao crédito no país, especialmente para usuários que ainda não possuem grandes reservas de criptomoedas.
Principais pontos a observar antes de usar um protocolo de Undercollateralized Lending
- Verifique a reputação do protocolo e o histórico de inadimplência.
- Analise a composição do pool de seguros e a cobertura oferecida.
- Considere a volatilidade dos ativos que você pretende usar como colateral.
- Entenda as taxas de juros e possíveis penalidades por atraso.
- Leia os termos de serviço e certifique‑se de que o protocolo cumpre com as exigências de KYC, se aplicável.
Conclusão
O undercollateralized lending representa uma evolução significativa dentro do universo DeFi, ao democratizar o acesso ao crédito e reduzir a necessidade de grandes reservas de ativos digitais. Contudo, essa inovação traz consigo desafios de risco que exigem avaliações sofisticadas, seguros descentralizados e, cada vez mais, conformidade regulatória.
Para usuários brasileiros, entender como esses mecanismos funcionam, quais são os protocolos mais confiáveis e como a legislação local pode impactar suas operações é essencial para aproveitar as oportunidades sem comprometer a segurança financeira.
À medida que o ecossistema amadurece, espera‑se que o undercollateralized lending se torne uma peça chave na ponte entre finanças tradicionais e descentralizadas, ampliando a inclusão financeira no Brasil e no mundo.