BRC-20 e Ordinals: Guia Definitivo do Ecossistema Bitcoin
Desde a criação do Bitcoin em 2009, a rede tem evoluído de forma inesperada, recebendo inovações que ampliam seu uso além das simples transferências de valor. Em 2023, dois conceitos ganharam destaque mundial: Ordinals e o padrão de token BRC-20. Este artigo aprofunda esses temas, explicando sua origem, funcionamento técnico, impactos no mercado e como o usuário brasileiro pode interagir com eles.
Principais Pontos
- Ordinals são números sequenciais que atribuem identidade única a cada satoshi.
- BRC-20 é um padrão de token inspirado no ERC-20, mas baseado em inscriptions de dados na cadeia Bitcoin.
- Ambos são possíveis graças à protocolos de gravação de dados introduzidos pelo Taproot.
- Os tokens BRC-20 não utilizam contratos inteligentes, mas aproveitam a camada de script e as inscriptions para criar ativos fungíveis.
- O ecossistema já conta com dezenas de projetos, como colecionáveis, jogos e stablecoins experimentais.
O que são os Ordinals?
Ordinals, ou simplesmente “Ordinal Theory”, foi proposto por Casey Rodarmor em janeiro de 2023. A ideia central é tratar cada satoshi – a menor unidade de Bitcoin (0,00000001 BTC) – como um objeto numerável, atribuindo‑le um número ordinal que indica sua posição dentro da cadeia de blocos.
Como funciona a numeração
Ao minerar um bloco, o Bitcoin cria um conjunto de transações que, ao final, geram um número total de satoshis. O algoritmo de Ordinals percorre a cadeia em ordem cronológica, contabilizando cada satoshi emitido. O primeiro satoshi já criado recebe o número 0, o segundo 1 e assim sucessivamente, até o último satoshi existente hoje, que está na casa dos quadrilhões.
Inscrições (Inscriptions)
Com a introdução do Taproot e a capacidade de incluir script de até 80 bytes nas transações, tornou‑se viável anexar metadados arbitrários a um satoshi específico. Essas anotações são chamadas de inscriptions. Uma inscription pode conter texto, imagens, áudio ou até mesmo código em linguagens como SVG ou JSON. Quando um satoshi inscripto é transferido, a inscription viaja junto, preservando sua identidade única.
Impacto cultural e de mercado
Os Ordinals abriram caminho para os colecionáveis digitais no Bitcoin, algo antes exclusivo das blockchains que suportavam contratos inteligentes, como Ethereum. Desde o seu surgimento, milhares de obras de arte, memes e até projetos de identidade digital foram gravados na cadeia, gerando volume de transações significativo e, em alguns casos, taxas de mineração recordes.
O padrão BRC-20: Tokens fungíveis no Bitcoin
Enquanto os Ordinals permitem a criação de ativos não fungíveis (NFTs), o padrão BRC-20 foi desenvolvido para trazer a fungibilidade dos tokens ERC‑20 ao universo Bitcoin, sem a necessidade de contratos inteligentes complexos.
Arquitetura técnica
Um token BRC-20 é definido por um JSON inscrito em um satoshi. O esquema básico inclui os campos:
{
"p": "brc-20",
"op": "deploy",
"tick": "TOKEN",
"max": "21000000",
"lim": "1000"
}
Os campos têm os seguintes significados:
- p: indica o padrão (brc-20).
- op: operação –
deploycria o token,mintgera unidades adicionais,transfermove tokens. - tick: ticker do token (máximo 4 caracteres).
- max: quantidade total que pode existir.
- lim: limite de emissão por operação de
mint.
Quando um usuário deseja mintar o token, ele cria outra inscription contendo op": "mint" e o número de unidades desejado. A rede valida que o total não ultrapasse o max definido no deploy. O transfer funciona de forma semelhante: o remetente cria uma inscription que indica o endereço de destino (geralmente um script P2TR) e a quantidade a ser enviada.
Diferenças fundamentais entre BRC-20 e ERC-20
Embora os propósitos sejam semelhantes, há diferenças cruciais:
- Ausência de contratos inteligentes: BRC-20 depende exclusivamente de scripts de transação e inscrições, não havendo um EVM que execute lógica arbitrária.
- Taxas de gravação: Cada operação (deploy, mint, transfer) grava dados na cadeia, o que pode elevar o custo em satoshis, especialmente em períodos de alta demanda.
- Escalabilidade: A capacidade de incluir dados está limitada a 80 bytes por satoshi, o que restringe a complexidade dos tokens.
- Segurança: Sem contratos, o risco de bugs de código é menor, porém a falta de verificações on‑chain pode gerar vulnerabilidades de design.
Ecossistema brasileiro
Desde o início de 2024, desenvolvedores brasileiros têm criado projetos BRC-20 focados em utilidade local, como BRL‑BRC (stablecoin atrelada ao real) e GameCoin para jogos on‑chain. Exchanges nacionais, como a Mercado Bitcoin, já listam alguns desses tokens em suas plataformas de negociação.
Como adquirir e interagir com Ordinals e BRC-20
Para usuários iniciantes, o processo ainda pode parecer complexo, mas as ferramentas têm evoluído rapidamente.
Carteiras compatíveis
Algumas carteiras já suportam a visualização e transferência de Ordinals:
- Unisat Wallet – extensão de navegador que permite inscrever, enviar e visualizar ordinais.
- Ordinals Wallet – aplicativo móvel focado em colecionáveis.
- Xverse – carteira brasileira que adicionou suporte a BRC‑20 em sua versão 2.3.
Plataformas de compra e venda
Mercados secundários surgiram para facilitar a negociação:
- Ordinals Market – marketplace global que aceita pagamento em BTC.
- BRC20.io – lista de tokens BRC‑20 com volume de negociação e links para pools de liquidez.
Exemplo prático: mintando um token BRC-20
1. Conecte sua carteira Unisat. 2. Selecione “Create BRC‑20”. 3. Preencha os campos: ticker = "BRL", max = "1000000", lim = "100". 4. Assine a transação (custo estimado: 0,00012 BTC ≈ R$ 0,70). 5. Aguarde a confirmação em 1‑2 blocos. 6. Seu token aparecerá na aba “Assets”.
Desafios e críticas ao modelo BRC‑20/Ordinals
Apesar do entusiasmo, a comunidade aponta questões importantes:
Impacto nas taxas de mineração
Gravar dados adicionais eleva o mempool e, consequentemente, as taxas de transação. Em setembro de 2024, o preço médio da taxa de inclusão de um BRC‑20 chegou a 150 sat/vByte, tornando algumas operações economicamente inviáveis para pequenos investidores.
Escalabilidade da rede
O Bitcoin foi projetado para ser uma camada de valor, não um repositório de grandes volumes de dados. O aumento de inscriptions pode gerar blocos mais cheios, potencialmente afetando a latência das confirmações.
Risco regulatório
Autoridades brasileiras, como a CVM, ainda estão analisando como classificar tokens BRC‑20. A ausência de um contrato inteligente pode dificultar a aplicação de medidas de compliance, mas também pode ser vista como menos suscetível a fraudes programáticas.
Segurança dos usuários
Como as transações são irreversíveis, um erro ao enviar um ordinal ou token pode resultar em perda permanente. É essencial usar carteiras que ofereçam visualização clara dos sats inscriptos antes da assinatura.
Perspectivas futuras
O futuro dos Ordinals e BRC‑20 depende de três fatores principais:
- Desenvolvimento de padrões complementares: Propostas como STX‑20 (para tokens semi‑fungíveis) e BRCP‑2 (para contratos mais avançados) já estão em discussão.
- Integração com soluções de camada 2: Projetos como Lightning Network podem reduzir custos de gravação ao usar canais off‑chain para transferir ordinais.
- Adoção institucional: Caso grandes investidores reconheçam o valor dos ativos inscriptos, poderemos ver um aumento de liquidez e desenvolvimento de produtos derivados.
Independentemente do caminho, a inovação demonstra que o Bitcoin continua sendo uma plataforma viva, capaz de incorporar novas funcionalidades sem comprometer sua segurança fundamental.
Conclusão
Os Ordinals e o padrão BRC‑20 representam uma virada de paradigma para o ecossistema Bitcoin. Enquanto os primeiros trazem identidade única a cada satoshi, permitindo a criação de colecionáveis digitais, o segundo abre espaço para tokens fungíveis, inspirados no modelo ERC‑20, mas adaptados à arquitetura sem contratos inteligentes do Bitcoin. Para o usuário brasileiro, isso significa novas oportunidades de investimento, criação de ativos e participação em projetos inovadores, mas também a necessidade de compreender riscos ligados a taxas, escalabilidade e regulamentação. Ao se manter informado e utilizar ferramentas confiáveis, é possível explorar esse universo emergente de forma segura e estratégica.