Como funcionam os royalties em NFTs: guia completo

Como funcionam os royalties em NFTs: guia completo

Os royalties de NFTs (tokens não-fungíveis) surgiram como uma resposta natural à necessidade dos criadores de arte digital, música, games e demais conteúdos de receber remuneração automática a cada revenda de suas obras. Se você ainda tem dúvidas sobre como esse mecanismo opera, quais são as suas vantagens e os desafios que ainda precisam ser superados, este artigo técnico‑educativo traz tudo o que você precisa saber.

Introdução

Desde o boom dos tokens colecionáveis em 2021, o mercado brasileiro de cripto‑arte tem crescido em ritmo acelerado. Contudo, a maioria dos criadores ainda enfrenta o problema clássico da perda de receita quando suas obras são negociadas no mercado secundário. Os royalties de NFTs oferecem uma solução programática: ao codificar uma porcentagem de comissão diretamente no contrato inteligente, o criador garante um fluxo de renda recorrente, sem depender de acordos manuais ou de terceiros.

Principais Pontos

  • Royalty é um pagamento automático ao criador sempre que o NFT é vendido novamente.
  • É implementado via padrão de contrato inteligente, como ERC‑2981 no Ethereum.
  • Nem todas as marketplaces suportam royalties de forma nativa – a compatibilidade varia.
  • Aspectos fiscais no Brasil: royalty é considerado receita e pode gerar impostos como IRPF e ISS.
  • O futuro aponta para padrões interoperáveis entre blockchains e soluções de layer‑2 mais econômicas.

O que são royalties de NFTs?

Um royalty (ou “direito autoral”) é um pagamento periódico que o detentor de direitos autorais recebe sempre que sua obra é utilizada comercialmente. No contexto dos NFTs, o royalty é codificado dentro do próprio token, de modo que, ao mudar de proprietário, uma porcentagem pré‑definida do valor da transação é enviada automaticamente ao endereço da carteira do criador.

Esse mecanismo difere dos royalties tradicionais, que geralmente exigem um contrato legal e o acompanhamento manual das revendas. Com a blockchain, tudo fica registrado de forma imutável e transparente.

Como os royalties funcionam tecnicamente?

Para que os royalties sejam executados, três componentes são essenciais:

  1. Contrato inteligente (smart contract): define a lógica de pagamento. Os padrões mais usados são o ERC‑2981 (Ethereum) e o Metaplex Token Metadata (Solana).
  2. Marketplace compatível: a exchange onde o NFT é negociado precisa reconhecer o padrão de royalty e repassar o valor ao criador. Exemplos no Brasil incluem NFTrade, OpenSea e Rarible.
  3. Carteira do criador: o endereço que receberá o pagamento. É importante que o criador mantenha a chave privada segura, pois é onde os royalties serão depositados.

Quando uma venda ocorre, o marketplace executa a seguinte sequência:

  • O comprador envia o valor total da compra (por exemplo, R$ 5.000).
  • O marketplace calcula o royalty – tipicamente entre 5 % e 10 % – e subtrai esse valor do montante a ser repassado ao vendedor.
  • O royalty é transferido automaticamente para a carteira do criador.
  • O restante (valor da venda menos royalty) vai ao vendedor anterior.

Todo o processo ocorre em segundos, sem intervenção humana.

Vantagens dos royalties para criadores

Os royalties trazem benefícios claros:

  • Renda recorrente: cada revenda gera receita adicional, incentivando a criação de obras de alto valor cultural.
  • Transparência: o histórico de pagamentos pode ser auditado publicamente na blockchain.
  • Descentralização: não há necessidade de intermediários, reduzindo custos administrativos.
  • Incentivo ao mercado secundário: colecionadores se sentem mais seguros ao saber que parte da valorização será revertida ao artista.

Desafios e limitações

Apesar das vantagens, ainda há obstáculos que criadores e desenvolvedores precisam enfrentar:

1. Compatibilidade entre marketplaces

Nem todas as plataformas adotam o mesmo padrão de royalty. Algumas, como a OpenSea, suportam ERC‑2981, enquanto outras ainda utilizam soluções proprietárias. Isso pode gerar situações em que o royalty não é recolhido, especialmente em vendas fora de grandes exchanges.

2. Custos de gas

Em blockchains como Ethereum, as taxas de transação (gas) podem ser elevadas, especialmente em períodos de alta demanda. Se o royalty for pequeno (ex.: 2 %), o custo de gas pode consumir boa parte do valor, tornando a operação menos atrativa. Soluções de layer‑2 (Polygon, Arbitrum) ou blockchains alternativas (Solana, Tezos) vêm sendo adotadas para mitigar esse problema.

3. Questões fiscais no Brasil

No país, o recebimento de royalties é considerado renda tributável. O criador deve declarar o valor recebido como rendimento tributável na declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e, dependendo da atividade, pode estar sujeito ao ISS (Imposto Sobre Serviços). A falta de clareza regulatória pode gerar dúvidas sobre a alíquota correta.

4. Fraudes e manipulação de preços

Alguns usuários podem criar vendas artificiais (“wash trading”) para inflar o preço do NFT e, consequentemente, o valor do royalty. Embora a blockchain registre tudo, a detecção dessas práticas requer análise de padrões de comportamento.

Como configurar royalties passo a passo

A seguir, um tutorial prático para quem deseja lançar um NFT com royalties usando o padrão ERC‑2981 no Ethereum. O processo pode ser adaptado para outras blockchains.

  1. Instalar ferramentas de desenvolvimento: Node.js, Hardhat ou Truffle, e a carteira MetaMask.
  2. Importar o contrato ERC‑2981:
    import "@openzeppelin/contracts/token/common/ERC2981.sol";
  3. Estender o contrato ERC‑721 (ou ERC‑1155) e incluir a lógica de royalty:
    contract MinhaArteNFT is ERC721, ERC2981 {
        constructor() ERC721("MinhaArte", "MA") {}
        function mint(address to, uint256 tokenId, uint96 royaltyFee) public {
            _safeMint(to, tokenId);
            _setTokenRoyalty(tokenId, msg.sender, royaltyFee);
        }
    }
    
  4. Definir a taxa de royalty: o parâmetro royaltyFee é expresso em basis points (bps). 500 = 5 %.
  5. Deployar o contrato na rede desejada (Ethereum mainnet, Polygon, etc.) usando hardhat run scripts/deploy.js --network mainnet.
  6. Registrar o NFT em uma marketplace que reconheça ERC‑2981. Ao fazer o upload da arte, informe que o contrato contém royalties.

Depois disso, cada nova venda será automaticamente dividida entre o vendedor e o criador, conforme a taxa definida.

Casos de uso no Brasil

Vários artistas e projetos brasileiros já utilizam royalties para garantir sustentabilidade financeira:

  • Projeto “Arte Amazônica”: NFTs de pinturas de artistas indígenas, com 7 % de royalty revertido a cooperativas locais.
  • MusicDAO: lançamentos de músicas em formato NFT, onde 10 % de cada revenda vai ao compositor e ao produtor.
  • Jogos Play‑to‑Earn: skins e itens de jogo que pagam 5 % de royalty ao desenvolvedor original a cada troca entre jogadores.

Esses exemplos mostram como os royalties podem apoiar comunidades criativas e gerar fluxo de caixa contínuo.

Impacto fiscal e tributário

Para evitar surpresas na hora da declaração, siga estas recomendações:

  1. Registre todas as receitas de royalties em um planilha, indicando data, NFT, preço de venda e valor do royalty.
  2. Converta o valor recebido em reais (R$) no dia da transação, usando a cotação da exchange utilizada.
  3. Inclua o total de royalties como “Rendimentos Tributáveis Recebidos de Pessoa Física/ Jurídica no Exterior” na ficha de “Rendimentos Recebidos de Pessoa Física/ Jurídica no Exterior”.
  4. Se o volume ultrapassar R$ 35.000 anuais, pode ser necessário recolher o Carnê‑Leão mensalmente.

Consultar um contador especializado em cripto‑ativos é altamente recomendável.

O futuro dos royalties em NFTs

Algumas tendências que podem transformar ainda mais esse ecossistema:

  • Padronização multi‑chain: projetos como EIP‑7210 buscam criar um padrão universal que funcione em Ethereum, Polygon, Solana e outras redes.
  • Royalty em tempo real: uso de oráculos para calcular royalties baseados em métricas de uso, como número de visualizações ou streams de música.
  • Integração com DeFi: permitir que royalties sejam automaticamente depositados em protocolos de rendimento, gerando juros sobre os pagamentos.
  • Regulação clara: a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está estudando normas para tokens de ativos digitais, o que pode trazer mais segurança jurídica.

Conclusão

Os royalties de NFTs representam uma evolução significativa para criadores que desejam monetizar seu trabalho de forma justa e transparente. Ao entender a tecnologia subjacente, escolher marketplaces compatíveis e observar as obrigações fiscais brasileiras, é possível transformar cada revenda em uma fonte de renda recorrente. À medida que padrões interoperáveis e soluções de camada‑2 ganhem adoção, o custo de implementação diminuirá, tornando os royalties ainda mais acessíveis para artistas de todos os portes.

Se você está pronto para lançar sua primeira coleção com royalties, siga o passo a passo técnico apresentado, avalie as opções de blockchain que melhor se adequam ao seu orçamento e não esqueça de registrar tudo corretamente para a declaração de impostos. O futuro dos NFTs no Brasil está apenas começando, e os royalties são um dos pilares que sustentam essa nova economia criativa.