Implicações de ser classificado como security no Brasil

Implicações de ser classificado como um valor mobiliário (security)

Com a crescente adoção de criptoativos no Brasil, a definição de security – ou valor mobiliário – tornou‑se um ponto central nas discussões regulatórias. A classificação de um token como security pode mudar completamente a forma como ele é emitido, negociado e tributado, impactando investidores, desenvolvedores e a própria dinâmica do mercado. Este artigo aprofunda, de maneira técnica e acessível, as consequências de um cripto ser considerado security, trazendo exemplos práticos, referências legais brasileiras e orientações para quem deseja adequar seu projeto ao cenário regulatório.

Principais Pontos

  • Definição legal de security no Brasil e comparação com o teste de Howey.
  • Procedimentos de registro junto à CVM e possíveis isenções.
  • Impactos fiscais: tributação de ganhos, emissão de notas fiscais e obrigações acessórias.
  • Riscos de compliance, incluindo lavagem de dinheiro e responsabilidade civil.
  • Estratégias para adequar projetos de criptomoedas ao regime de securities.

O que é um security?

No direito financeiro, security ou valor mobiliário representa um direito de crédito ou participação que pode ser negociado no mercado. No contexto brasileiro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) define valores mobiliários como “títulos, valores, instrumentos ou contratos que representem direito creditício, de participação, de propriedade ou de dívida”.

Definição legal no Brasil

A Lei nº 6.385/1976 e a Lei nº 6.404/1976 (Lei das S/A) estabelecem o marco regulatório para valores mobiliários. Recentemente, a Instrução CVM 588/2017 trouxe clareza ao tratar de ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, incluindo ativos digitais, quando estes se enquadram na definição de security.

Teste de Howey adaptado

Embora o teste de Howey seja norte‑americano, a CVM tem adotado critérios semelhantes para avaliar se um token constitui security. Os quatro elementos são:

  1. Investimento de dinheiro ou equivalente.
  2. Em uma empresa comum.
  3. Com expectativa de lucro.
  4. Derivado dos esforços de terceiros.

Se um token preenche esses requisitos, ele provavelmente será classificado como security no Brasil.

Impactos regulatórios

A classificação como security desencadeia uma série de obrigações perante a CVM, bem como outras entidades como a Receita Federal e o Banco Central.

Registro de oferta

Projetos que pretendem distribuir tokens considerados securities devem submeter uma Oferta Pública de Distribuição (OPD) à CVM, obedecendo ao Guia de Criptomoedas e às regras da Instrução 588. O registro inclui prospecto detalhado, auditoria de contabilidade e avaliação de risco.

Isenções e regimes simplificados

Algumas situações permitem isenção, como:

  • Oferta privada limitada a até 50 investidores qualificados.
  • Token que representa direito de uso sem expectativa de lucro (utility token).
  • Emissão dentro de programa de incentivo à inovação aprovado por agências de fomento.

Entretanto, a linha entre utility e security é tênue e requer análise jurídica aprofundada.

Compliance e governança

Uma vez registrado, o emissor deve adotar políticas de Know‑Your‑Customer (KYC) e Anti‑Money Laundering (AML), além de manter relatórios periódicos de negociação, transparência de governança e auditorias externas. O descumprimento pode gerar multas que chegam a 10% do volume negociado ou até a suspensão da atividade.

Consequências fiscais

A tributação de securities no Brasil segue regras distintas das aplicáveis a criptoativos “não‑securities”.

Imposto de Renda

Ganhos de capital obtidos na venda de securities são tributados à alíquota de 15% (até R$ 20 milhões), com alíquotas progressivas acima desse patamar, conforme o Regulamento da B3. O contribuinte deve recolher o DARF até o último dia útil do mês subsequente à operação.

IOF e contribuições sociais

Operações de compra e venda de securities podem estar sujeitas ao IOF (0,38% a 1,5% dependendo do prazo) e à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) em casos específicos de renda fixa.

Obrigações acessórias

Além do Imposto de Renda, o emissor deve entregar à Receita Federal:

  • Declaração de Operações com Criptoativos (DOCC).
  • Informações de pagamento de dividendos ou juros sobre capital próprio.
  • Relatórios mensais de movimentação de tokens, caso a empresa seja considerada corretora.

Riscos para investidores

Investir em um token classificado como security traz tanto proteção quanto riscos adicionais.

Proteção ao investidor

A CVM garante direitos como informação clara, direito de arrependimento (em ofertas privadas) e possibilidade de ação coletiva em caso de fraude.

Riscos de liquidez

Security tokens geralmente são negociados em plataformas reguladas, que podem ter volume menor que exchanges descentralizadas. Isso pode gerar slippage e dificuldade de saída.

Responsabilidade civil

Se o projeto não cumprir as obrigações de disclosure, investidores podem acionar a empresa por perdas, inclusive com indenizações que podem ultrapassar o valor investido.

Como adequar seu projeto

Para desenvolvedores e empreendedores, a adequação precoce reduz custos e riscos de sanções.

Passo a passo legal

  1. Contrate assessoria jurídica especializada em direito securitário e blockchain.
  2. Realize o teste de Howey interno para identificar a natureza do token.
  3. Se classificado como security, prepare o prospecto e registre a OPD na CVM.
  4. Implemente processos KYC/AML robustos e integre soluções de compliance (ex.: Chainalysis).
  5. Configure a contabilidade de acordo com as normas IFRS para ativos financeiros.
  6. Divulgue relatórios trimestrais de performance e governança.

Ferramentas e plataformas

Plataformas como TokenSecurities oferecem infraestrutura de emissão de security tokens, custódia em custodians regulados e integração com a B3 para negociação secundária.

Custódia e negociação

É recomendado utilizar custodians que estejam registrados na CVM ou na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para garantir a confidencialidade dos dados dos investidores.

Casos reais no Brasil

Alguns projetos brasileiros já enfrentaram a classificação como security:

Projeto A – Token de renda fixa

Em 2023, a CVM determinou que o token emitido pela startup FinTechX representava um título de dívida, obrigando o registro como debênture. A empresa teve que publicar prospecto, recolher IOF e adaptar sua plataforma de KYC.

Projeto B – Utility token com cláusula de recompra

Um token de utilidade que incluía cláusula de recompra automática dos lucros foi reinterpretado como security, pois criava expectativa de lucro baseada em esforços da empresa. O projeto migrou para um modelo de token sem recompra e evitou o registro.

Projeto C – Token de governança de DAO

Uma DAO brasileira lançou um token de governança que concedia direito a dividendos de projetos internos. A CVM considerou o token um security, exigindo registro e relatórios de distribuição de lucros.

Conclusão

Ser classificado como security no Brasil traz uma série de obrigações regulatórias, fiscais e de compliance que impactam diretamente investidores e desenvolvedores. Embora o caminho possa parecer complexo, a clareza trazida pela regulamentação da CVM oferece maior proteção ao investidor e maior credibilidade ao projeto. A melhor estratégia é avaliar a natureza do token desde o início, contar com assessoria jurídica especializada e adotar boas práticas de governança. Assim, é possível transformar um potencial obstáculo regulatório em um diferencial competitivo no mercado de criptoativos.