Herança de Criptomoedas no Brasil: Guia Completo e Atualizado 2025
Com a crescente adoção de ativos digitais no país, a questão da herança de criptomoedas deixou de ser um tema futurista e passou a ser uma preocupação real para investidores, famílias e profissionais do direito. Este artigo aprofunda os aspectos legais, técnicos e práticos para que você, leitor brasileiro, possa planejar a transmissão de seus bens digitais de forma segura e em conformidade com a legislação vigente.
Introdução
Em 2024, o volume de criptoativos mantidos por pessoas físicas no Brasil ultrapassou a marca dos R$ 45 bilhões. Apesar desse número impressionante, ainda há muita confusão sobre como esses ativos são tratados em caso de falecimento. A falta de clareza pode gerar disputas familiares, bloqueio de contas em exchanges e, em situações extremas, perda total dos fundos.
Por que este tema é importante?
- Valor patrimonial crescente dos criptoativos.
- Risco de bloqueio de contas em exchanges por falta de documentação.
- Possibilidade de tributação indevida ou dupla.
- Necessidade de garantir a vontade do titular sobre a destinação dos ativos.
Principais Pontos
- Legislação brasileira aplicável à sucessão de criptoativos.
- Diferença entre testamento e planejamento sucessório digital.
- Como preparar chaves privadas e frases‑semente de forma segura.
- Procedimentos das principais exchanges brasileiras para casos de falecimento.
- Implicações tributárias: IR, ITCMD e eventuais impostos estaduais.
1. Base Legal para a Herança de Criptomoedas no Brasil
A lei que regula a sucessão no país é o Código Civil (Lei nº 10.406/2002), que trata de bens móveis e imóveis, mas não menciona explicitamente os criptoativos. Entretanto, a jurisprudência tem evoluído, e o Marco Legal das Criptomoedas (Lei nº 14.478/2022) reconhece esses ativos como bens digitais, equiparando‑os a bens móveis para fins de sucessão.
1.1. Definição de Bens Digitais
Segundo a Lei nº 14.478/2022, criptoativos são considerados “bens digitais” que podem ser objeto de transmissão hereditária, desde que haja comprovação de titularidade. A prova pode ser feita por meio de:
- Contratos de compra e venda.
- Extratos de exchanges.
- Registros em carteiras (wallets) digitais que contenham a assinatura digital do titular.
1.2. Implicações do Código Civil
O Código Civil estabelece que a herança se abre no momento do falecimento e que os herdeiros são chamados a aceitar ou renunciar ao quinhão. No caso dos criptoativos, a aceitação pode demandar a entrega das chaves privadas, o que traz desafios práticos e de segurança.
2. Planejamento Sucessório Digital: Testamento vs. Trust
O planejamento sucessório tradicional pode ser adaptado ao mundo cripto. Existem duas abordagens principais:
2.1. Testamento Tradicional com Disposições Digitais
É possível incluir no testamento cláusulas que instruam o inventariante a:
- Localizar a carteira digital.
- Utilizar a frase‑semente ou chave privada.
- Transferir os ativos para contas específicas de herdeiros.
Para que isso seja válido, o testamento deve ser público, lavrado por tabelião, e conter a assinatura digital do testador, preferencialmente com certificado ICP‑Brasil.
2.2. Trust ou “Fundo de Cripto”
Embora ainda não haja legislação específica para trusts no Brasil, alguns advogados têm utilizado estruturas offshore ou sociedades de propósito específico (SPE) para custodiar criptoativos. Essa solução oferece maior controle e pode simplificar a transferência, mas envolve custos de manutenção e necessidade de compliance internacional.
3. Segurança das Chaves Privadas: Como Guardar e Compartilhar
As chaves privadas são o “código de acesso” aos criptoativos. Se perdidas ou comprometidas, o ativo pode ficar irrecuperável. Por isso, o planejamento sucessório deve contemplar estratégias de guarda segura:
3.1. Cofres Físicos e Digitalizados
Uma prática recomendada é armazenar a frase‑semente ou a chave privada em um cofre físico (ex.: cofre de banco) e, simultaneamente, em um cofre digital com criptografia de nível militar (AES‑256). O acesso ao cofre digital pode ser protegido por múltiplos fatores (biometria, token, senha).
3.2. Compartilhamento Seguro com Herdeiros
Ao definir quem receberá as chaves, é essencial usar um método de shamir’s secret sharing (divisão de segredo). O segredo (frase‑semente) é dividido em, por exemplo, 5 partes, e ao menos 3 são necessárias para reconstruí‑lo. Dessa forma, nenhum herdeiro tem acesso total sozinho, reduzindo risco de roubo ou uso indevido.
4. Procedimentos das Principais Exchanges Brasileiras
As exchanges operam sob a supervisão da CVM e da Banco Central. Cada plataforma tem sua política para casos de falecimento:
4.1. Binance Brasil
Requer a apresentação de:
- Certidão de óbito.
- Documento de identidade do herdeiro.
- Mandado judicial ou testamento reconhecido.
Após análise, a conta pode ser bloqueada e os ativos transferidos para uma carteira indicada.
4.2. Mercado Bitcoin (MB)
Segue procedimento similar, porém aceita também declaração de herdeiro emitida por cartório. O tempo médio de liberação é de 30 a 45 dias úteis.
4.3. Foxbit
Possui um “Protocolo de Sucessão” que inclui a necessidade de assinatura de advogado com procuração específica para movimentar os ativos. A Foxbit recomenda que o titular crie uma conta conjunta com um familiar de confiança, facilitando o acesso pós‑falecimento.
5. Tributação na Transferência de Criptoativos
Do ponto de vista tributário, a herança de criptoativos envolve duas obrigações principais:
5.1. Imposto de Renda (IR)
O IR incide sobre ganhos de capital. Quando o herdeiro vende o criptoativo, ele deve calcular a diferença entre o valor de aquisição (valor de mercado no dia do falecimento) e o preço de venda. Caso o ativo seja mantido, não há IR imediato, mas a base de cálculo será o valor de abertura da herança.
5.2. Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)
O ITCMD é um imposto estadual. Cada estado tem alíquota diferente (geralmente entre 2% e 8%). A avaliação do criptoativo para fins de ITCMD deve seguir o preço de cotação da exchange oficial no dia do falecimento. A declaração é feita à Secretaria da Fazenda do estado do falecido.
5.3. Como Declarar no Imposto de Renda
Na ficha “Bens e Direitos”, o contribuinte deve informar o código 99 (Outros bens e direitos) e detalhar:
- Nome da criptomoeda.
- Quantidade.
- Valor de aquisição (valor de mercado na data do falecimento).
- Data da aquisição (data do falecimento).
Na ficha “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”, são informados eventuais rendimentos de staking recebidos antes da abertura da herança.
6. Passo a Passo Prático para Garantir a Herança de Seus Criptoativos
- Faça um inventário detalhado. Liste todas as carteiras, exchanges, tokens e NFTs, incluindo endereços, quantidades e valores aproximados.
- Documente as chaves. Guarde a frase‑semente ou chave privada em cofre físico e digital, usando shamir’s secret sharing se desejar.
- Redija um testamento. Inclua cláusulas específicas sobre criptoativos, indicando quem será o responsável pela sua transferência.
- Informe as exchanges. Atualize seus dados cadastrais e, se possível, registre um contato de sucessão nas plataformas.
- Consulte um advogado especializado. O profissional deve orientar sobre a melhor estrutura (testamento, trust, sociedade).
- Planeje a tributação. Calcule o ITCMD estimado e reserve recursos para o pagamento.
- Revise periodicamente. Atualize o inventário sempre que adquirir ou vender ativos.
7. Perguntas Frequentes (FAQ)
Confira as dúvidas mais comuns sobre herança de criptoativos no Brasil.
7.1. Quem pode ser considerado herdeiro de criptoativos?
Os mesmos que são herdeiros legais segundo o Código Civil: cônjuge, descendentes, ascendentes e, na falta destes, colaterais até o quarto grau ou o Estado.
7.2. É possível deixar criptoativos para uma ONG?
Sim, desde que a ONG esteja devidamente cadastrada como beneficiária no testamento ou em doação em vida.
7.3. E se eu perder a frase‑semente?
Sem a frase‑semente ou chave privada, os ativos são considerados irrecuperáveis. Por isso, a prática de backup múltiplo é essencial.
Conclusão
O cenário de criptoativos no Brasil evolui rapidamente, e a herança de criptomoedas já não é mais um assunto hipotético. O planejamento sucessório digital exige conhecimento jurídico, técnicas de segurança da informação e atenção às obrigações tributárias. Ao seguir as recomendações apresentadas neste guia – inventário detalhado, guarda segura das chaves, testamento bem redigido e acompanhamento profissional – você garante que seu patrimônio digital será transferido conforme sua vontade, evitando conflitos familiares e perdas financeiras.
Se ainda não iniciou seu planejamento, o momento é agora. A tecnologia está ao seu favor; basta utilizá‑la com responsabilidade e respaldo legal.