Introdução
Nos últimos anos, o universo das criptomoedas tem apresentado fenômenos cada vez mais complexos, e um dos mais recorrentes são os forks. Quando uma blockchain se divide, gerando duas versões distintas da mesma rede, surgem dúvidas importantes sobre como o fisco brasileiro trata os ativos recebidos. Este artigo aprofunda, de forma técnica e didática, a tributação em forks, cobrindo aspectos legais, contábeis e práticos para que investidores iniciantes e intermediários possam cumprir suas obrigações sem surpresas.
- O que é um fork e como ele acontece;
- Tipos de fork: hard fork e soft fork;
- Regime tributário aplicável a criptoativos no Brasil;
- Como calcular ganhos e perdas em forks;
- Passo a passo para declarar no site da Receita Federal;
- Dicas para evitar erros comuns na declaração.
O que é um fork?
Um fork ocorre quando há uma mudança no protocolo da blockchain que resulta em duas cadeias diferentes. Essa divisão pode ser planejada (como em atualizações de rede) ou inesperada (devido a divergências entre os desenvolvedores). O ponto crucial para o investidor é que, ao ocorrer o fork, os detentores da moeda original recebem, de forma automática, a nova moeda na proporção que possuíam antes da divisão.
Hard fork vs. Soft fork
Existem duas categorias principais:
- Hard fork: alteração incompatível com versões anteriores, gerando duas blockchains independentes. Exemplo clássico: o fork do Bitcoin que deu origem ao Bitcoin Cash.
- Soft fork: mudança compatível com versões anteriores, onde a cadeia original permanece dominante e a nova regra é aceita pelos nós que atualizam o software.
Do ponto de vista tributário, a diferença entre hard e soft fork pode influenciar a forma de mensuração do ganho, mas a Receita Federal trata ambos como eventos de geração de novos ativos.
Regime tributário brasileiro para criptoativos
Desde a Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019, a tributação de criptoativos no Brasil está claramente estabelecida. Os principais pontos são:
- Os ganhos de capital obtidos na venda, troca ou disposição de criptoativos são tributados em 15% a 22,5%, conforme a faixa de lucro.
- O contribuinte deve declarar a posse de criptoativos na ficha “Bens e Direitos” (código 81) e os rendimentos na ficha “Rendimentos Variáveis”.
- Operações cujo total de vendas no mês seja inferior a R$ 35.000,00 estão isentas de imposto, mas ainda precisam ser declaradas.
Quando ocorre um fork, o contribuinte passa a possuir um novo ativo, o que gera um evento de aquisição que deve ser registrado para cálculo futuro de ganho ou perda.
Natureza jurídica do fork
A Receita Federal entende que o recebimento de tokens resultantes de um fork é equiparado a uma receita de capital, similar à distribuição de dividendos ou a um airdrop. Contudo, ao contrário de dividendos, não há retenção de imposto na fonte; o contribuinte deve apurar o ganho quando houver a posterior alienação da nova moeda.
Como calcular o ganho de capital em um fork
O cálculo do ganho de capital em forks segue a lógica de custo de aquisição zero para o novo token, pois ele foi “recebido” sem pagamento. O passo-a-passo simplificado:
- Identifique a data do fork e a quantidade de tokens recebidos.
- Determine o valor de mercado do token na data do fork (preço de referência da exchange principal).
- Esse valor será considerado o custo de aquisição para futuras vendas.
- Ao vender o token, subtraia o custo de aquisição do valor de venda para obter o ganho ou perda.
Exemplo prático:
- Um investidor possui 1,5 BTC em 01/08/2023.
- Em 01/11/2023 ocorre um hard fork que gera 1,5 BTCB (nova moeda).
- O preço de mercado do BTCB na data do fork é R$ 120.000,00.
- O custo de aquisição do BTCB será R$ 120.000,00. Se o investidor vender o BTCB por R$ 150.000,00, o ganho será R$ 30.000,00, tributado conforme a alíquota de 15%.
Passo a passo para declarar forks na Receita Federal
Declarar corretamente um fork exige atenção aos detalhes. Siga as etapas abaixo:
- Identifique o evento: registre a data do fork, a quantidade de tokens recebidos e o preço de referência.
- Preencha a ficha “Bens e Direitos”: use o código 81 (Criptomoedas). No campo “Discriminação”, descreva o fork, indicando a blockchain original, a nova moeda, a data e o custo de aquisição.
- Informe o valor: no campo “Valor”, registre o custo de aquisição (preço de mercado na data do fork).
- Ganhos futuros: ao vender o token, preencha a ficha “Rendimentos Variáveis”, informando o ganho de capital calculado.
- Pagamentos de DARF: se o ganho superar a alíquota mínima, gere o DARF com o código 4600 e pague até o último dia útil do mês seguinte à venda.
Para facilitar, consulte o Guia de Imposto de Renda para Criptomoedas, que traz exemplos detalhados e planilhas de apoio.
Exemplo de preenchimento da ficha “Bens e Direitos”
Código: 81 Discriminação: Fork de Bitcoin (BTC) em 01/11/2023 – recebimento de 1,5 BTCB (Bitcoin Cash) com custo de aquisição de R$ 120.000,00 (preço de mercado na data). Valor: 120.000,00
Casos práticos de forks relevantes no Brasil
Alguns forks tiveram grande repercussão entre investidores brasileiros. A seguir, analisamos três casos e suas implicações fiscais:
1. Bitcoin Cash (BCH) – 01/08/2017
O hard fork do Bitcoin gerou o Bitcoin Cash. Muitos investidores que possuíam BTC na data do fork receberam BCH na mesma proporção. O custo de aquisição do BCH foi o preço de mercado em 01/08/2017, que variou entre R$ 2.500,00 e R$ 3.000,00. A Receita tratou o recebimento como aquisição gratuita, exigindo declaração na ficha 81 e tributação apenas na venda posterior.
2. Ethereum Classic (ETC) – 20/07/2016
Após a DAO hack, a comunidade Ethereum decidiu por um hard fork que resultou no Ethereum Classic. Os detentores de ETH ficaram com duas moedas: ETH e ETC. O custo de aquisição do ETC foi o preço de mercado do ETH na data do fork, que rondava R$ 1.200,00. O tratamento fiscal seguiu a mesma lógica descrita anteriormente.
3. Cardano (ADA) – 01/09/2022 (soft fork)
Um soft fork que introduziu a funcionalidade de contratos inteligentes não gerou uma nova moeda, mas alterou o protocolo. Nesse caso, não houve aquisição de novo token, logo não há obrigação de declarar ganho de capital imediato. Contudo, alterações de protocolo podem impactar o valor de mercado da moeda, influenciando o cálculo de ganho na venda futura.
Dicas para evitar erros comuns
- Documente tudo: mantenha registros de datas, quantidades e preços de referência. Use planilhas ou softwares de gestão de cripto.
- Atualize a carteira: alguns forks exigem que você migre os tokens para uma carteira compatível para garantir o recebimento.
- Verifique a fonte de preço: utilize a cotação de uma exchange reconhecida (por exemplo, Mercado Bitcoin ou Binance) para definir o custo de aquisição.
- Não ignore a declaração: mesmo que o ganho seja zero ou que o valor seja inferior ao limite de isenção, a omissão pode gerar multas de até 150% do imposto devido.
- Consulte um contador especializado: a complexidade tributária pode exigir auxílio profissional para evitar autuações.
Impacto futuro da regulamentação
O Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) têm avançado na regulação de criptoativos. Projetos como o Regulamento de Ativos Digitais podem trazer novas obrigações, como a exigência de relatórios de transações em tempo real. Para o investidor, isso significa que a prática de registrar forks de forma detalhada será ainda mais importante.
Conclusão
Os forks são eventos inevitáveis no ecossistema das criptomoedas e trazem consigo desafios tributários específicos. No Brasil, a Receita Federal trata o recebimento de novos tokens como aquisição gratuita, exigindo que o contribuinte registre o custo de aquisição com base no preço de mercado na data do fork. A correta declaração nas fichas “Bens e Direitos” e “Rendimentos Variáveis” evita multas e garante a conformidade fiscal.
Ao seguir as orientações apresentadas – documentação rigorosa, cálculo preciso do ganho de capital e uso de ferramentas de apoio – investidores iniciantes e intermediários poderão navegar pelos forks com confiança e segurança jurídica.