Os non-fungible tokens (NFTs) revolucionaram a forma como obras protegidas por direitos autorais são criadas, comercializadas e valorizadas no ambiente digital. Contudo, a relação entre direitos de autor e NFTs ainda gera dúvidas entre artistas, compradores e profissionais do direito. Este artigo aprofundado explica como a legislação brasileira e internacional trata essa interseção, quais são os cuidados essenciais e como aproveitar as oportunidades de forma segura.
1. O que são NFTs e como funcionam?
Um NFT é um token criptográfico único que representa a propriedade ou a autenticidade de um bem digital – como artes visuais, músicas, vídeos, textos ou até mesmo itens de jogos. Diferente das criptomoedas fungíveis (como Bitcoin ou Ether), cada NFT possui atributos exclusivos que impedem sua replicação.
Para entender melhor, confira o nosso O que são NFTs? Guia Completo e Atualizado 2025, que traz uma explicação detalhada sobre a tecnologia, os padrões (ERC‑721, ERC‑1155) e os principais marketplaces.
2. Direitos autorais: conceitos fundamentais
No Brasil, a Lei nº 9.610/98 regula os direitos autorais, garantindo ao criador o direito exclusivo de utilizar, reproduzir, distribuir e licenciar sua obra. Esses direitos são divididos em:
- Direitos patrimoniais: permitem ao autor obter remuneração pela exploração econômica da obra.
- Direitos morais: asseguram a autoria, a integridade e a reputação da obra, sendo intransferíveis e irrenunciáveis.
Ao transformar uma obra em NFT, o criador pode definir quais direitos está cedendo ao comprador e quais permanecem sob sua titularidade.
3. Como a lei brasileira interpreta NFTs
A jurisprudência ainda está em fase de consolidação, mas há alguns entendimentos que ajudam a mapear o cenário:
- Obra protegida: Se a obra original já está protegida por direitos autorais, o NFT não cria novos direitos, apenas um registro de propriedade digital sobre o token.
- Licença automática? Muitos criadores confundem a posse do NFT com a transferência automática de direitos patrimoniais. Na prática, a transferência deve ser formalizada em contrato ou nos termos de uso da plataforma.
- Direitos morais permanecem com o autor, independentemente da venda do NFT.
Para aprofundar a questão da tokenização de ativos, veja o Tokenização de Ativos: O Futuro dos Investimentos no Brasil, que aborda aspectos legais e regulatórios.
4. Contratos e termos de uso: o que deve constar
Ao vender um NFT, o criador deve especificar claramente:

- Quais direitos patrimoniais estão sendo licenciados (ex.: uso comercial, reprodução, exibição pública).
- Se há restrição de território ou prazo.
- Se o comprador tem direito a criar obras derivadas.
- Cláusulas de revogação e de royalties automáticos (frequentemente configurados nos marketplaces).
Esses termos devem estar visíveis antes da compra e, preferencialmente, registrados em contrato escrito ou digitalmente assinado.
5. Royalties automáticos: como funcionam e limites legais
Uma das grandes inovações dos NFTs é a possibilidade de programar royalties que são pagos ao autor a cada revenda do token. Embora a tecnologia permita pagamentos automáticos, a legislação brasileira ainda não reconhece explicitamente esses royalties como fonte de renda tributável, mas eles são tratados como rendimentos de direitos autorais.
É recomendável que o criador declare esses valores na sua declaração de Imposto de Renda, seguindo as orientações da Receita Federal para rendimentos de direitos autorais.
6. Riscos de violação de direitos autorais em NFTs
Assim como nas mídias tradicionais, a criação e venda de NFTs podem infringir direitos de terceiros:
- Plágio e uso não autorizado: Mintar (criar) um NFT a partir de obra de terceiros sem permissão configura violação de direitos patrimoniais.
- Remoção de conteúdo: Plataformas podem remover NFTs que infrinjam direitos, seguindo solicitações de notice and takedown (ex.: DMCA nos EUA).
- Responsabilidade do marketplace: Algumas plataformas adotam políticas de verificação de autoria, mas a responsabilidade final recai sobre o criador.
Para evitar problemas, consulte bases de dados de registros de obras, como o INPI, ou registre sua obra na WIPO, que oferece reconhecimento internacional.
7. Estratégias de proteção para criadores de NFTs
Algumas boas práticas ajudam a garantir a segurança jurídica:
- Registre a obra antes de mintar: O registro no INPI ou na WIPO cria prova de autoria e facilita a defesa em caso de disputa.
- Utilize contratos inteligentes claros: Defina royalties, licenças e restrições de forma explícita no código do token.
- Marque a obra com watermark ou metadata: Informações de autoria embutidas no arquivo (ex.: EXIF, IPFS metadata) reforçam a prova de origem.
- Monitore marketplaces: Use ferramentas de monitoramento para detectar cópias não autorizadas.
8. O papel das plataformas de NFT no cumprimento da lei
Marketplaces como OpenSea, Rarible e o marketplace da Binance Smart Chain adotam políticas de compliance que incluem:

- Verificação de identidade (KYC) de criadores.
- Procedimentos de remoção de conteúdo infrator mediante notificação.
- Ferramentas de atribuição automática de royalties.
Entretanto, a responsabilidade final pela licitude da obra permanece com o autor. Por isso, antes de listar seu NFT, revise os Termos de Serviço da plataforma.
9. Tributação de NFTs no Brasil
Os ganhos obtidos com a venda de NFTs são tributados como rendimentos de capital ou rendimentos de direitos autorais, dependendo da natureza da transação:
- Venda de obra original: Receita tributada como direitos autorais, com alíquota de 15% a 27,5% (conforme faixa de renda).
- Revenda de NFT adquirido: Pode ser considerada ganho de capital, com alíquota de 15% sobre o lucro.
É importante manter registros detalhados das datas, valores de compra e venda, bem como dos royalties recebidos.
10. Futuro dos direitos autorais e NFTs no Brasil
A legislação ainda evolui. Projetos como o Marco Legal da Web3 em discussão no Congresso visam adaptar a Lei de Direitos Autorais ao universo de tokens digitais, incluindo disposições sobre:
- Reconhecimento legal de NFTs como obra protegida.
- Regulação de marketplaces e de contratos inteligentes.
- Direitos de revogação de licenças e de proteção de dados pessoais.
Enquanto isso, a melhor estratégia para criadores e investidores é combinar boas práticas contratuais, registro de obras e acompanhamento das mudanças regulatórias.
Conclusão
Os NFTs oferecem uma nova forma de monetizar obras criativas, mas não abolem a necessidade de respeitar os direitos autorais. Ao entender a legislação brasileira, definir claramente licenças, registrar obras e usar contratos inteligentes transparentes, artistas e colecionadores podem aproveitar o potencial dos NFTs com segurança jurídica e fiscal.
Se você está pensando em lançar seu primeiro NFT ou deseja proteger sua coleção, siga as recomendações apresentadas neste guia e mantenha-se atualizado sobre as mudanças regulatórias. O futuro da arte digital depende da combinação entre inovação tecnológica e respeito à propriedade intelectual.