O debate sobre os Ordinals na comunidade Bitcoin: impactos, controvérsias e o futuro dos NFTs na cadeia original

O debate sobre os Ordinals na comunidade Bitcoin

Desde que a proposta Ordinals foi introduzida em 2023, o ecossistema Bitcoin tem vivenciado uma discussão intensa que vai muito além da simples inserção de dados digitais na blockchain. Defensores veem nos Ordinals a oportunidade de ampliar o espectro de usos do Bitcoin, trazendo arte digital, colecionáveis e até contratos inteligentes leves para a cadeia mais segura e descentralizada do mundo. Críticos, por outro lado, alertam para os riscos de centralização, aumento de custos de transação e a possível erosão da missão original da rede – ser uma reserva de valor e meio de pagamento.

1. O que são Ordinals?

Ordinals são um protocolo que permite numerar individualmente cada satoshi (a menor unidade de Bitcoin) e, a partir daí, associar metadados a ele. Essa numeração abre caminho para que NFTs para Escritores ou NFTs para músicos possam ser armazenados diretamente na blockchain do Bitcoin, sem a necessidade de redes auxiliares como Ethereum ou Polygon.

O mecanismo funciona gravando os dados no script da transação (usando OP_RETURN ou o novo padrão Taproot). Cada satoshi marcado como “ordinal” carrega consigo um pequeno arquivo – que pode ser uma imagem, um texto, um código ou até mesmo um pequeno vídeo. O tamanho máximo permitido é de 4 MB, o que, embora limitado, já permite a criação de obras de arte complexas.

2. Por que o debate aqueceu a comunidade?

O Bitcoin sempre foi visto como uma rede de valor, focada em transações financeiras. A introdução de Ordinals trouxe, de repente, um uso intensivo de dados não-financeiros. Isso levantou três grandes pontos de discórdia:

  1. Taxas de transação (fees): Cada byte adicional gravado na cadeia aumenta o custo da transação. A explosão de Ordinals poderia inflar as taxas, tornando o Bitcoin menos acessível para pagamentos cotidianos.
  2. Centralização dos nós: Para validar Ordinals, os nós precisam armazenar mais dados. Alguns operadores de nós podem optar por não rodar a versão completa, reduzindo a descentralização.
  3. Propósito da rede: Puristas argumentam que o Bitcoin deve permanecer “digital gold”. A inserção de arte e colecionáveis pode desviar o foco e a narrativa do projeto.

Essas preocupações são discutidas em fóruns como o Bitcoin StackExchange e divulgadas por veículos de imprensa como CoinDesk e bitcoin.org. Abaixo, analisamos cada ponto em detalhes.

3. Impacto nas taxas de transação

Desde o início de 2024, observamos um aumento de aproximadamente 35 % nas taxas médias dos blocos que contêm Ordinals. Esse movimento se deve ao fato de que, ao inserir um arquivo de 1 MB, a transação ocupa mais espaço no bloco, competindo com transações de pagamento.

Alguns desenvolvedores sugerem soluções como segregated witness (SegWit) aprimorado ou compactação de dados para mitigar o problema. Entretanto, ainda não há consenso sobre a viabilidade destas abordagens sem comprometer a segurança.

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Fonte: André François McKenzie via Unsplash

4. Centralização e a questão dos nós completos

Para validar Ordinals, os nós precisam validar scripts Taproot mais complexos e armazenar maiores quantidades de dados. Pequenos operadores que não dispõem de infraestrutura robusta podem migrar para modos “light” que ignoram os metadados, criando um gap na validação completa da rede.

Esse fenômeno lembra debates antigos sobre o MEV (Maximal Extractable Value) no Ethereum, onde certos validadores detêm vantagem ao escolher quais transações incluir. Na comunidade Bitcoin, a preocupação é que, ao priorizar blocos ricos em Ordinals, validadores possam cobrar prêmios adicionais, levando a uma forma de ordinals-extracção de valor.

5. Propósito da rede – O “Gold Digital” versus “Galeria de Arte”

Os fundadores do Bitcoin, incluindo Satoshi Nakamoto, sempre enfatizaram a importância de uma moeda descentralizada, resistente à censura e com baixa inflação. A adição de arte digital pode ser vista como uma expansão legítima – afinal, a arte sempre foi uma forma de armazenar e transmitir valor.

Entretanto, puristas temem que a narrativa de “Bitcoin como reserva de valor” seja diluída, tornando a rede vulnerável a regulações que visam NFT e conteúdo digital. Países como os EUA já têm discussões sobre a classificação de NFTs como valores mobiliários; caso o Bitcoin se torne um grande hospedeiro de NFTs, poderia ser arrastado para esses debates regulatórios.

6. Casos de uso reais e oportunidades

Mesmo com as controvérsias, alguns projetos já estão experimentando. Ordinal Punks – uma série de retratos pixelados inspirados no CryptoPunks – arrecadou mais de 5 BTC em vendas nas primeiras semanas. Escritores independentes também utilizam Ordinals para tornar suas obras “permanentes” na blockchain, garantindo prova de autoria e resistência à censura.

Esses experimentos ilustram o potencial de economia dos criadores dentro do Bitcoin, alinhando-se ao conceito de economia dos criadores (Creator Economy) que tem sido explorada em outras redes Web3.

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Fonte: Shubham Dhage via Unsplash

7. Como a comunidade está respondendo?

Várias propostas foram submetidas ao BIP (Bitcoin Improvement Proposal) para regular o uso de Ordinals. Entre elas:

  • BIP‑322: Definir limites de tamanho para metadados.
  • BIP‑341 (Taproot) aprimorado: Incluir verificações adicionais para scripts que armazenam Ordinals.
  • Taxa de depósito adicional: Cobrar uma taxa fixa para cada byte de dados inserido, garantindo que somente conteúdos com valor genuíno sejam gravados.

Essas propostas ainda estão em fase de discussão no GitHub do Bitcoin Core e nos canais de Telegram/Discord da comunidade. A transparência e o consenso são fundamentais para evitar fragmentação da rede.

8. Perspectivas para 2025 e além

Se a comunidade atingir um acordo equilibrado, os Ordinals podem se tornar um pilar complementar ao Bitcoin, assim como o Lightning Network expande a capacidade de pagamentos instantâneos. O caminho provável inclui:

  1. Definição de limites claros de tamanho e custos.
  2. Desenvolvimento de ferramentas de criação de arte otimizadas para uso em blockchain.
  3. Integração com marketplaces descentralizados que respeitem as restrições de taxa da rede.

Esse cenário poderia abrir novas fontes de receita para mineradores (taxas adicionais), atrair criadores digitais ao ecossistema Bitcoin e, finalmente, demonstrar a flexibilidade da cadeia original sem comprometer sua segurança.

9. Conclusão

O debate sobre os Ordinals é, ao mesmo tempo, um teste de resistência cultural e técnica para o Bitcoin. Enquanto alguns veem nos Ordinals um risco ao “gold digital”, outros reconhecem neles um próximo passo lógico para tornar a rede verdadeiramente multifuncional. O sucesso dependerá da habilidade da comunidade em equilibrar inovação, custos operacionais e a filosofia fundadora da moeda.

Independentemente do desfecho, fica claro que a discussão está apenas começando, e os próximos meses trarão decisões que podem redefinir como o Bitcoin será usado nos próximos anos.