Críticas ao modelo Move-to-Earn: riscos, desafios e futuro das apps de fitness cripto

Introdução

Nos últimos anos, o conceito Move-to-Earn (M2E) ganhou destaque no ecossistema cripto, prometendo remunerar usuários por atividades físicas como caminhadas, corridas ou até mesmo tarefas domésticas. Embora a ideia pareça inovadora e alinhada com tendências de gamificação e bem‑estar, ela também tem gerado um intenso debate entre desenvolvedores, investidores e reguladores. Neste artigo, vamos analisar criticamente o modelo Move-to‑Earn, apontando seus principais pontos de atenção, riscos e possíveis caminhos para um desenvolvimento mais sustentável.

  • Modelo econômico insustentável em longo prazo;
  • Privacidade e coleta massiva de dados pessoais;
  • Gamificação que pode levar a comportamentos prejudiciais;
  • Impactos ambientais da mineração e transações;
  • Incertezas regulatórias no Brasil e no exterior.

O que é o modelo Move-to-Earn?

Move-to-Earn refere‑se a aplicativos que utilizam blockchain para recompensar usuários por movimentar o corpo. Geralmente, o usuário instala um aplicativo móvel que, através de sensores GPS ou acelerômetros, registra a distância percorrida, passos ou calorias queimadas. Essas métricas são então convertidas em tokens nativos da plataforma, que podem ser trocados por moedas fiduciárias, outros criptoativos ou benefícios dentro do ecossistema.

Como funciona na prática?

Um fluxo típico inclui:

  1. Cadastro e criação de carteira digital integrada ao app;
  2. Sincronização com dispositivos (smartphone, smartwatch, pedômetro);
  3. Validação de dados por meio de algoritmos de consenso ou oráculos externos;
  4. Emissão de tokens baseada em um “rate” predefinido (ex.: 0,1 TOKEN por 1 km percorrido);
  5. Possibilidade de staking, venda em exchanges ou uso em marketplaces da própria plataforma.

Exemplos populares incluem Sweatcoin, StepN e Genopets. Cada um adota variações nas regras de emissão, queima e distribuição de recompensas.

Principais críticas ao modelo Move-to-Earn

1. Sustentabilidade econômica

Um dos pontos mais debatidos é a viabilidade financeira de recompensar usuários continuamente. A maioria dos projetos M2E depende de um modelo inflacionário, no qual novos tokens são criados para pagar as recompensas. Sem fontes de receita robustas (por exemplo, publicidade, parcerias corporativas ou taxas de transação), o fluxo de saída de tokens pode superar a entrada, levando a uma desvalorização rápida.

Alguns projetos tentam mitigar esse risco por meio de mecanismos de queima (burn) ou de “taxas de saída” quando o usuário converte tokens em fiat. Contudo, essas medidas muitas vezes não são suficientes para equilibrar a balança econômica, especialmente quando a base de usuários cresce exponencialmente.

2. Privacidade e coleta de dados

Para validar a atividade física, os aplicativos coletam dados de localização em tempo real, padrões de movimento e, em alguns casos, informações biométricas. Embora esses dados sejam essenciais para o funcionamento da plataforma, eles também representam um vetor de vulnerabilidade. Vazamentos ou uso indevido podem expor rotas diárias, hábitos de saúde e até informações sensíveis como frequência cardíaca.

No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) impõe severas penalidades para o tratamento inadequado de informações pessoais. Muitos projetos M2E ainda não demonstram conformidade total, o que gera preocupação entre usuários e investidores.

3. Gamificação excessiva e riscos à saúde

A promessa de ganhos financeiros pode incentivar comportamentos extremos, como caminhadas excessivas, corrida em ambientes inseguros ou até a manipulação de dispositivos para falsificar métricas (cheating). Essa pressão pode resultar em lesões, fadiga crônica ou, em casos mais graves, situações de risco ao realizar atividades em locais perigosos.

Além disso, a “pressão de recompensas” pode gerar ansiedade e compulsão, especialmente entre usuários menos experientes que buscam renda rápida.

4. Impactos ambientais

Embora muitas plataformas M2E utilizem blockchains de camada 2 ou redes Proof‑of‑Stake (PoS) de baixo consumo energético, ainda há projetos que operam em redes Proof‑of‑Work (PoW) com alto gasto de energia. A emissão de tokens para recompensar usuários pode, indiretamente, aumentar a demanda por validações de transação, ampliando a pegada de carbono.

No contexto brasileiro, onde a matriz elétrica ainda depende significativamente de hidrelétricas e fontes renováveis, a adoção de tecnologias mais verdes pode ser um diferencial competitivo.

5. Incertezas regulatórias

O modelo Move-to‑Earn se posiciona na intersecção entre fintech, saúde digital e cripto. Cada um desses setores possui regulamentações específicas. No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem sinalizado que tokens que funcionam como “instrumentos de investimento” podem ser classificados como valores mobiliários, exigindo registro e compliance.

Além disso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) pode ter interesse em regular aplicativos que coletam dados de saúde. A falta de clareza normativa cria um ambiente de risco para startups que desejam escalar suas soluções.

Estudos de caso: o que podemos aprender?

Sweatcoin

Fundada em 2015, a Sweatcoin foi uma das primeiras a popularizar o conceito M2E. Seu modelo de negócios baseia‑se em parcerias com marcas que pagam em “coins” para os usuários realizarem desafios. No entanto, a empresa enfrentou críticas por:

  • Limitar o número de recompensas diárias, gerando frustração;
  • Falta de transparência na conversão de “coins” para fiat;
  • Política de privacidade considerada vaga em relação ao uso de dados de localização.

Em 2023, a Sweatcoin introduziu um token ERC‑20 (SWEAT) para permitir negociação em exchanges, mas o valor de mercado permaneceu volátil, refletindo a dificuldade de criar liquidez sustentável.

StepN

StepN, lançado em 2021, utiliza a blockchain Solana (PoS) e introduziu o conceito de “NFT sneakers”. Cada par de tênis NFT tem atributos que influenciam a taxa de geração de tokens GMT. As críticas mais frequentes incluem:

  • Alta barreira de entrada – os usuários precisam adquirir NFTs caros para obter rendimentos significativos;
  • Riscos de “pump‑and‑dump” nos mercados secundários de NFTs;
  • Problemas de escalabilidade quando a rede Solana sofreu interrupções.

Além disso, a comunidade tem apontado que a emissão de tokens pode ser manipulada por “whales”, afetando a distribuição justa.

Análise técnica: tokenomics e segurança

Para avaliar a viabilidade de um projeto M2E, é essencial analisar sua tokenomics. Os componentes-chave são:

  1. Supply total: limites rígidos ajudam a evitar inflação descontrolada.
  2. Emission rate: taxa de geração de tokens por atividade deve ser calibrada para refletir o valor econômico real.
  3. Burn mechanisms: queima de tokens ao retirar recompensas pode equilibrar a oferta.
  4. Staking rewards: incentiva a retenção, mas pode criar concentração de poder.

Do ponto de vista de segurança, a integração com oráculos que validam dados de GPS deve ser robusta contra ataques de spoofing. Soluções como Chainlink oferecem verificações descentralizadas, mas aumentam a complexidade do contrato inteligente.

Alternativas e caminhos para um modelo mais saudável

1. Modelos híbridos de receita

Em vez de depender exclusivamente da emissão inflacionária, as plataformas podem combinar:

  • Parcerias comerciais (publicidade, descontos em lojas de equipamentos esportivos);
  • Taxas de transação em mercados internos;
  • Venda de dados agregados (anonimizados) para pesquisas de saúde.

Essas fontes de renda podem subsidiar recompensas sem comprometer a estabilidade do token.

2. Privacidade por design

Implementar técnicas de zero‑knowledge proofs (ZK‑Snarks) permite validar a quantidade de passos sem revelar a localização exata do usuário. Além disso, a criptografia de ponta‑a‑ponta protege dados sensíveis durante a transmissão.

3. Incentivos à saúde sustentável

Em vez de recompensar apenas a quantidade de movimento, os protocolos podem premiar metas de qualidade, como frequência cardíaca na zona aeróbica, descanso adequado e variação de atividades. Essa abordagem reduz o risco de comportamentos extremos.

4. Governança descentralizada

DAO (Organizações Autônomas Descentralizadas) podem ser usadas para determinar parâmetros de emissão, taxas de queima e políticas de privacidade, garantindo que a comunidade tenha voz nas decisões críticas.

Conclusão

O modelo Move-to‑Earn representa uma interseção promissora entre cripto, saúde e gamificação, mas ainda enfrenta desafios significativos que podem comprometer sua adoção em massa. A sustentabilidade econômica, a proteção de dados pessoais, o risco de comportamentos prejudiciais e a incerteza regulatória são questões que exigem respostas técnicas e de governança. Projetos que adotarem tokenomics equilibradas, privacidade por design e modelos de receita híbridos terão maior chance de sobreviver ao teste do tempo e criar valor real para usuários brasileiros e globais.

Para quem está iniciando no universo cripto, entender essas críticas ajuda a tomar decisões mais informadas e a escolher plataformas que alinhem inovação com responsabilidade.