Contabilidade de Criptomoedas para Empresas em Portugal: Guia Completo e Prático para 2024‑2025

Contabilidade de Criptomoedas para Empresas em Portugal

O surgimento massivo das criptomoedas nos últimos anos trouxe não só novas oportunidades de investimento, mas também desafios inéditos para a contabilidade empresarial. Em Portugal, onde o ambiente regulatório ainda está a evoluir, as empresas que utilizam ativos digitais – seja para pagamento de bens e serviços, investimento ou como parte do seu modelo de negócio – precisam de entender como registrar, avaliar e reportar essas transações de forma correta e conforme a legislação fiscal.

1. Por que a Contabilidade de Criptomoedas é Diferente?

Ao contrário de moedas fiat, as criptomoedas não são emitidas por bancos centrais e não têm um “preço oficial” definido. O seu valor varia a cada segundo, dependendo da oferta e da procura nas bolsas de negociação. Essa volatilidade cria três principais diferenças na contabilidade:

  • Valoração em tempo real: o valor de um ativo digital deve ser atualizado periodicamente para refletir o seu preço de mercado.
  • Natureza não‑monetária: muitas criptomoedas são tratadas como ativos intangíveis, enquanto outras podem ser consideradas inventário, dependendo do uso da empresa.
  • Eventos de blockchain: cada transação, fork, airdrop ou hard‑fork gera obrigações contabilísticas específicas.

2. Classificação Contábil das Criptomoedas em Portugal

Segundo o Portal das Finanças, as criptomoedas podem ser enquadradas em duas categorias principais:

  1. Ativo Intangível (IAS/IFRS 38): quando a empresa detém criptomoedas como investimento de longo prazo ou reserva de valor.
  2. Inventário (IAS/IFRS 2): quando as moedas são usadas como meio de pagamento direto aos clientes ou como parte da atividade comercial (por exemplo, uma exchange ou marketplace).

Essa distinção define não só o método de avaliação, mas também a forma como os ganhos e perdas são reconhecidos no resultado.

2.1. Ativo Intangível – Registo Inicial

Ao adquirir Bitcoin, Ethereum ou qualquer outra criptomoeda, a empresa registra o custo de aquisição como valor contábil inicial. Se a compra for feita em moeda fiduciária (EUR), o custo corresponde ao preço da transação mais as eventuais taxas de negociação.

Exemplo:

  Compra: 10 BTC @ €28.000 cada = €280.000
  Taxas de exchange: €500
  Valor contabilístico inicial: €280.500

Esses valores devem ser mantidos no plano de contas sob uma sub‑conta específica (ex.: 221 – Ativos intangíveis – Criptomoedas).

2.2. Inventário – Registo de Receita

Se a empresa aceita criptomoedas como pagamento, a transação registra‑se como receita no momento da entrega do bem ou serviço. O regulamento da UE sobre IVA exige que a base tributável seja convertida para euros no dia da transação, usando a taxa de câmbio oficial da data.

Exemplo:

  Venda: 2 ETH a cliente, valor em €4.500 (taxa do dia)
  Receita reconhecida: €4.500
  Criptomoeda recebida (2 ETH) entra como inventário a €2.250 cada.

3. Avaliação e Revalorização Mensal

Devido à alta volatilidade, a contabilidade de criptomoedas exige reavaliações frequentes. Existem duas abordagens reconhecidas:

Contabilidade de criptomoedas para empresas em Portugal - high volatility
Fonte: Abhaya Pantha via Unsplash
  • Método do custo: mantém‑se o custo histórico, reconhecendo ganhos ou perdas apenas na venda ou baixa do ativo.
  • Método de valor justo (fair value): atualiza‑se o valor contábil ao preço de mercado a cada período de reporte, registrando variações como ganhos ou perdas no resultado.

No contexto português, o método de valor justo é preferido para ativos intangíveis, pois está alinhado ao IFRS 13. Contudo, as PME que ainda não adotam IFRS podem optar pelo custo, desde que mantenham a consistência ao longo dos períodos.

4. Obrigações Fiscais Específicas

As autoridades fiscais portuguesas consideram as criptomoedas como bens móveis, sujeitas a tributação de mais‑valias. As principais obrigações são:

  1. Declaração de mais‑valias: ganhos obtidos na venda de criptomoedas são tributados à taxa de 28% (para indivíduos) ou ao IRC (para empresas). A base de cálculo é a diferença entre o preço de venda e o custo de aquisição, convertido para euros na data da operação.
  2. IVA: a compra de criptomoedas está isenta de IVA, mas a prestação de serviços que a utiliza (ex.: compra de bens com cripto) está sujeita ao imposto normal.
  3. Comunicação de ativos digitais: a partir de 2023, empresas que detenham mais de €10.000 em cripto devem reportar essas holdings no modelo modelo de comunicação (Modelo 22‑A).

5. Passo a Passo para Implementar uma Contabilidade de Criptomoedas

Segue‑se um roteiro prático que a maioria das empresas portuguesas pode adaptar:

  1. Mapeamento de processos: identifique onde as criptomoedas entram (compra, recebimento, pagamento a fornecedores, investimentos).
  2. Escolha do plano de contas: crie contas específicas para cada moeda (ex.: 221‑01 – Bitcoin, 221‑02 – Ethereum) e para diferentes categorias (ativo intangível vs. inventário).
  3. Integração de API de preços: utilize serviços como CoinGecko, CoinMarketCap ou uma plataforma de exchange para obter a taxa de câmbio diária e automatizar a reavaliação.
  4. Política de reavaliação: defina a frequência (mensal, trimestral) e o método (fair value). Documente a política no manual de contabilidade.
  5. Procedimentos de reconciliação: faça a reconciliação entre as carteiras digitais (wallets) e os extratos da exchange, garantindo que todos os movimentos estejam refletidos nas contas.
  6. Treinamento da equipa: capacite contabilistas e responsáveis financeiros sobre os conceitos de blockchain, taxonomia de cripto e requisitos fiscais.
  7. Auditoria interna: estabeleça controles para evitar perdas por falhas de segurança (por exemplo, uso de cold storage) e garanta a rastreabilidade das transações.

5.1. Ferramentas de Suporte

Vários softwares de contabilidade já incorporam módulos de criptomoedas. Entre eles, destacam‑se:

  • QuickBooks Online – Crypto add‑on: permite a importação automática de transações a partir de exchanges.
  • Sage 200c – Extensão Crypto: oferece integração com API de preço e geração de relatórios de mais‑valias.
  • ZeroPaper: solução open‑source adaptada ao regime de PME português.

6. Riscos e Boas Práticas de Segurança

Além dos riscos fiscais, a segurança dos ativos digitais é crítica. Algumas práticas recomendadas:

  • Cold storage: mantenha a maior parte das reservas em carteiras offline (hardware wallets).
  • Multi‑Signature: exija múltiplas aprovações para movimentação de valores superiores a €5.000.
  • Política de backup: guarde cópias das chaves privadas em locais diferentes e protegidos.
  • Segurança da informação: adote políticas de privacidade e conformidade com o GDPR, especialmente ao lidar com dados de clientes relacionados a endereços de wallet.

Para aprofundar a compreensão dos aspectos técnicos da blockchain, consulte o nosso artigo Livro‑razão distribuído (DLT): Guia completo para entender, aplicar e dominar a tecnologia em 2025. Se ainda estiver a descobrir como as transações de criptomoedas funcionam, o guia O que é uma transação de criptomoeda? Guia completo e detalhado oferece uma explicação passo a passo.

7. Estudos de Caso – Como Empresas Portuguesas Estão Gerindo Cripto

Case 1 – Startup FinTech “BlockPay”

Ao aceitar pagamentos em Bitcoin e Euro, a BlockPay criou duas sub‑contas de inventário e adotou o método de valor justo mensal. Utilizou a API da CoinGecko para atualizar os preços e integrou o módulo de Crypto do QuickBooks. Resultados: redução de 30% nas reconciliações manuais e compliance total com o modelo de comunicação de ativos digitais.

Case 2 – Empresa de Logística “TransPorto”

A TransPorto investiu 15% do capital de giro em Ethereum como reserva de valor. Optou pela classificação de ativo intangível e manteve a reavaliação trimestral. Graças a um plano de contas específico e auditorias internas, a empresa evitou penalizações fiscais ao reportar as mais‑valias no seu modelo de IRC.

8. Perguntas Frequentes (FAQ)

Veja as dúvidas mais comuns das empresas que começam a contabilizar criptomoedas.

8.1. As criptomoedas são consideradas moeda estrangeira para efeitos de IFRS?

Não. Elas são tratadas como ativos intangíveis ou inventário, conforme o uso da empresa, e não como moeda estrangeira.

8.2. Preciso de um contabilista especializado?

É altamente recomendável, pois a correcta classificação, avaliação e reporte exigem conhecimento tanto de contabilidade quanto da tecnologia blockchain.

8.3. Como declarar as perdas de valor?

As perdas de valor reconhecidas no método de fair value são registradas como custos operacionais, reduzindo o resultado antes dos impostos.

8.4. As exchanges portuguesas têm obrigação de emitir recibos fiscais?

Sim, as plataformas de câmbio registradas em Portugal devem fornecer documentos que comprovem o custo de aquisição e as taxas pagas, facilitando a contabilidade da empresa.

9. Conclusão

A contabilidade de criptomoedas para empresas em Portugal ainda está em fase de consolidação regulatória, mas os princípios contábeis internacionais já oferecem um caminho claro. Seguindo as boas práticas de classificação, avaliação e reporte, as companhias podem transformar a volatilidade das cripto‑moedas numa vantagem estratégica, evitando riscos fiscais e operacionais.

Adote um plano de contas detalhado, invista em ferramentas de automação e mantenha a equipa continuamente treinada. Assim, sua empresa estará preparada para o futuro digital, onde ativos descentralizados farão parte integrante do balanço patrimonial.