Como provar que cumpre um requisito (ex: idade mínima) sem revelar os seus dados

Como provar que cumpre um requisito (ex: idade mínima) sem revelar os seus dados

Em um mundo cada vez mais digital, a necessidade de comprovar requisitos como idade mínima, cidadania ou elegibilidade para determinados serviços cresce exponencialmente. Contudo, a exigência tradicional de apresentar documentos completos expõe informações pessoais sensíveis, aumentando o risco de vazamentos, fraudes e violação de privacidade. Felizmente, a tecnologia moderna oferece soluções que permitem comprovar um atributo – como ter mais de 18 anos – sem revelar nenhum dado adicional. Neste artigo aprofundado, vamos explorar o panorama legal, as técnicas criptográficas disponíveis, como implementá‑las passo a passo e quais são as melhores práticas para garantir segurança e conformidade.

1. Por que a privacidade na comprovação de requisitos é essencial?

O compartilhamento indiscriminado de documentos (RG, passaporte, carteira de motorista) tem duas consequências principais:

  • Risco de vazamento de dados: bases de dados corporativas são alvos frequentes de ataques. Quando um usuário entrega cópias de documentos, esses dados podem ser armazenados por períodos indefinidos e, se a empresa sofrer um incidente, informações pessoais ficam expostas.
  • Abuso de informações: empresas podem usar os dados coletados para fins de marketing, venda a terceiros ou para criar perfis invasivos.

Portanto, a tendência regulatória – como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) na Europa e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil – exige a adoção do princípio de minimização de dados: coletar apenas o que for estritamente necessário.

2. Conceitos fundamentais que permitem a prova sem divulgação

Antes de entrar nas soluções práticas, é importante entender alguns termos-chave:

  • Zero‑Knowledge Proof (ZKP): prova criptográfica em que uma parte (prover) demonstra que conhece uma informação sem revelá‑la. Exemplo clássico: provar que possui uma senha correta sem enviá‑la.
  • Credenciais Verificáveis (Verifiable Credentials – VC): documentos digitais assinados criptograficamente que podem ser verificados por terceiros sem precisar acessar o conteúdo completo.
  • Identidade Descentralizada (Decentralized Identifier – DID): identificador auto‑soberano que permite ao usuário controlar sua identidade e atributos associados.
  • Selective Disclosure: mecanismo que permite ao titular revelar apenas um subconjunto de atributos (ex.: “maior de 18 anos”) enquanto mantém os demais ocultos.

3. Soluções técnicas disponíveis

Abaixo listamos as principais abordagens que já estão em produção ou em fase avançada de desenvolvimento:

Como provar que cumpre um requisito (ex: idade mínima) sem revelar os seus dados - list main
Fonte: Joshua Hoehne via Unsplash

3.1. Provas de Zero‑Knowledge (ZKP)

Plataformas como Zcash e Ethereum (via zk‑SNARKs e zk‑STARKs) permitem gerar provas matemáticas de que um dado está dentro de um intervalo sem revelar o valor exato. Para verificação de idade, o usuário pode criar um hash da sua data de nascimento e, usando uma ZKP, provar que a data está antes de uma certa data (ex.: 01/01/2006 para comprovar 18 anos em 2024).

3.2. Credenciais Verificáveis (VC) com DID

O Identidade Descentralizada (DID) fornece a base para armazenar atributos de forma segura em wallets digitais. Uma autoridade (ex.: governo ou empresa certificadora) emite uma VC contendo a data de nascimento assinada digitalmente. Quando o usuário precisa comprovar idade, ele gera uma presentation que inclui apenas a prova de que a data de nascimento está dentro do intervalo permitido, usando o padrão Selective Disclosure. O verificador pode validar a assinatura da autoridade sem jamais acessar o valor exato da data.

3.3. Hashing + Salting + Comparação Off‑Chain

Em cenários menos complexos, pode‑se armazenar o hash da data de nascimento junto a um salt exclusivo. O serviço que requer a prova pode solicitar ao usuário que envie o hash de sua data já pré‑processada; então, comparando com um intervalo de hashes pré‑gerados, o serviço determina se o usuário cumpre o requisito. Essa técnica, embora mais simples, depende de um conjunto fechado de valores e não escala bem para atributos com grande variação.

3.4. Biometrics com Prova de Propriedade

Alguns provedores de identidade biométrica oferecem a possibilidade de gerar um token que comprova que o usuário possui, por exemplo, uma impressão digital vinculada a um registro que atesta a idade. O token pode ser verificado por um contrato inteligente, mas a própria impressão nunca é transmitida.

Como provar que cumpre um requisito (ex: idade mínima) sem revelar os seus dados - token fingerprint
Fonte: Vizito Visitor Management via Unsplash

4. Guia passo a passo: como implementar a verificação de idade usando VC e DID

  1. Escolher a autoridade emissora: pode ser um órgão governamental, um provedor de identidade reconhecido ou uma empresa certificadora. Essa entidade será responsável por assinar a credencial.
  2. Emitir a Credencial Verificável: a autoridade cria um documento JSON‑LD contendo atributos como “dataNascimento”: “1998‑04‑12” e assina digitalmente usando sua chave privada.
  3. Armazenar a credencial no wallet do usuário: o usuário recebe a VC em sua carteira descentralizada (ex.: Metamask, Trust Wallet ou um wallet especializado em DID).
  4. Gerar a apresentação (presentation): quando o site ou serviço solicita comprovação de idade, o usuário cria uma apresentação que inclui apenas a prova de que a data de nascimento é anterior a 01/01/2006. Isso é feito usando bibliotecas como did-jwt-vc ou veramo.
  5. Verificar a apresentação: o verificador checa a assinatura da autoridade, garante que a apresentação não foi alterada e confirma que a condição de idade foi satisfeita. Nenhum dado pessoal (data completa, nome, etc.) é revelado.
  6. Responder ao cliente: o serviço aceita ou rejeita o acesso com base na verificação, sem jamais armazenar dados sensíveis.

Este fluxo segue as recomendações de segurança descritas no Guia Definitivo de Segurança de Criptomoedas, garantindo que chaves privadas nunca sejam expostas e que a comunicação seja feita via protocolos TLS.

5. Casos de uso reais

  • Plataformas de jogos com restrição de idade: ao entrar em um jogo P2E (Play‑to‑Earn) que exige maioridade, o usuário pode provar que tem mais de 18 anos usando ZKP, evitando o upload de documentos.
  • Compra de álcool ou tabaco online: e‑commerces podem integrar um fluxo de verificação de idade baseado em VC, reduzindo a necessidade de solicitar RG ou CPF.
  • KYC em exchanges de cripto: ao invés de enviar documentos completos, o usuário apresenta uma prova de residência e idade emitida por um provedor confiável, mantendo a conformidade regulatória.

6. Vantagens e desafios

Vantagens Desafios
Minimização de dados – coleta apenas o necessário. Complexidade de integração – requer bibliotecas criptográficas avançadas.
Conformidade com GDPR/LGPD – redução de risco de multas. Dependência de autoridades emissoras confiáveis.
Experiência do usuário mais fluida – não há upload de documentos. Necessidade de educação do usuário sobre wallets e chaves.
Escalabilidade – soluções baseadas em blockchain podem ser verificadas off‑chain. Interoperabilidade entre diferentes padrões de VC/DID ainda em evolução.

7. Boas práticas para desenvolvedores

  1. Utilize bibliotecas auditadas (ex.: hyperledger/aries-framework-go, uport-project/ethr-did-resolver).
  2. Armazene chaves privadas apenas no device do usuário; nunca as envie ao servidor.
  3. Implemente verificações de revogação de credenciais para evitar uso de documentos expirados.
  4. Adote padrões abertos como W3C Verifiable Credentials e DID Core.
  5. Teste o fluxo com usuários reais e colete feedback sobre usabilidade.

8. Futuro da prova de requisitos sem exposição de dados

Com o avanço das ZK‑Rollups, a computação de provas será ainda mais rápida e barata, facilitando a adoção massiva em plataformas de e‑commerce e serviços públicos. Além disso, a crescente padronização de VC/DID por organismos como a Decentralized Identity Foundation promete interoperabilidade entre diferentes blockchains, tornando a verificação de atributos – como idade – um serviço universal, acessível em qualquer aplicação web.

Conclusão

Provar que cumpre um requisito (como idade mínima) sem revelar dados pessoais é mais que uma tendência: é uma necessidade regulatória e de mercado. Tecnologias como Zero‑Knowledge Proofs, Credenciais Verificáveis e Identidades Descentralizadas oferecem ferramentas concretas para alcançar esse objetivo, ao mesmo tempo em que aumentam a confiança dos usuários e reduzem o risco de vazamentos. Ao adotar as boas práticas descritas neste guia, empresas e desenvolvedores estarão à frente da curva, entregando experiências seguras, privadas e em conformidade com as leis de proteção de dados.