Como os NFTs usam o IPFS para armazenar seus metadados

Como os NFTs usam o IPFS para armazenar seus metadados

Os tokens não-fungíveis (NFTs) revolucionaram o modo como criamos, comercializamos e valorizamos ativos digitais. Entretanto, muito além da imagem ou do vídeo que vemos na tela, há um conjunto de informações essenciais – os metadados – que descrevem propriedades, autoria, royalties e muito mais. Garantir que esses metadados sejam armazenados de forma segura, imutável e descentralizada é um dos maiores desafios técnicos da atualidade. É aqui que entra o IPFS (InterPlanetary File System), uma rede de armazenamento distribuído que tem se tornado a espinha dorsal de milhares de projetos de NFT.

Principais Pontos

  • IPFS fornece endereçamento baseado em conteúdo (CID) que garante imutabilidade.
  • Metadados são normalmente armazenados em JSON seguindo o padrão ERC‑721 ou ERC‑1155.
  • Pinning services e gateways mantêm os arquivos disponíveis mesmo após o nó original sair da rede.
  • Integração com contratos inteligentes permite que o token aponte diretamente para o CID.

1. Por que os metadados são críticos para um NFT?

Um NFT não é apenas um token que aponta para um endereço de URL como https://example.com/art.png. Essa abordagem tradicional cria um ponto único de falha: se o servidor cair, o conteúdo desaparece. Os metadados – normalmente um arquivo JSON – contêm atributos como name, description, image, attributes (raridade, nível, etc.) e, cada vez mais, informações de royalties via creators ou seller_fee_basis_points. Quando esses dados são armazenados em um sistema centralizado, a confiança no NFT fica comprometida.

1.1 Estrutura padrão de metadados

O padrão mais adotado na comunidade Ethereum, definido pela EIP‑721, recomenda o seguinte formato JSON:

{
  "name": "Nome da Arte",
  "description": "Descrição detalhada da obra",
  "image": "ipfs://bafybeihd...",
  "attributes": [
    {"trait_type": "Cor", "value": "Azul"},
    {"trait_type": "Nível", "value": 5}
  ]
}

A chave image pode apontar para outro recurso IPFS (geralmente a própria mídia). Esse encadeamento garante que tanto a imagem quanto os atributos estejam armazenados de forma descentralizada.

2. O que é o IPFS e como ele funciona?

O IPFS (InterPlanetary File System) é um protocolo peer‑to‑peer que transforma arquivos em blocos criptograficamente endereçados. Cada bloco recebe um Content Identifier (CID), que é um hash calculado a partir do conteúdo do bloco. Se o conteúdo mudar, o CID mudará – garantindo imutabilidade por design.

2.1 Endereçamento baseado em conteúdo vs. endereçamento baseado em localização

Na web tradicional, os recursos são acessados por URLs que apontam para um servidor (ex.: https://site.com/arquivo.png). No IPFS, o recurso é encontrado por seu CID (ex.: QmX...9). Essa diferença elimina a dependência de um ponto central e permite que qualquer nó que possua o bloco sirva o conteúdo.

2.2 Como os nós armazenam e distribuem dados

Quando um usuário adiciona um arquivo ao IPFS, ele o divide em blocos de ~256 KB, calcula o CID de cada bloco e cria um Merkle DAG (Directed Acyclic Graph). Esse grafo é propagado para a rede. Outros nós podem “pinar” (fixar) esses blocos, garantindo que permaneçam disponíveis. O processo é semelhante ao funcionamento de torrents, mas com a vantagem de que o CID permite verificação de integridade instantânea.

3. Arquitetura típica de um NFT usando IPFS

Um fluxo padrão de criação de NFT com IPFS envolve três componentes principais:

  1. Contrato inteligente (ERC‑721 ou ERC‑1155) que armazena o CID do metadado.
  2. Arquivo de metadado JSON hospedado no IPFS.
  3. Mídia (imagem, áudio, vídeo) também armazenada no IPFS e referenciada dentro do JSON.

A sequência de eventos costuma ser:

1. Crie a arte (PNG, MP4, etc.)
2. Faça upload da arte para IPFS → obtém CID da mídia
3. Monte o JSON com o campo "image": "ipfs://"
4. Faça upload do JSON para IPFS → obtém CID do metadado
5. Chame a função mint do contrato passando o CID (ou URL completa: https://ipfs.io/ipfs/)
6. O contrato grava o CID em um mapeamento tokenId → tokenURI

Quando um marketplace (OpenSea, Rarible, etc.) consulta o token, ele lê o tokenURI, resolve o CID via gateway IPFS e exibe a arte e os atributos.

4. Passo a passo detalhado: como subir metadados para o IPFS

Existem diversas ferramentas que facilitam o upload, como nft.storage, Pinata ou Web3.Storage. Abaixo, um tutorial usando a CLI do ipfs e o serviço gratuito da nft.storage:

4.1 Preparação do ambiente

  • Instale a CLI do IPFS: brew install ipfs (macOS) ou sudo apt install ipfs (Linux).
  • Crie uma conta em nft.storage e copie a API key.
  • Instale o pacote nft.storage via npm: npm install nft.storage.

4.2 Upload da mídia

const { NFTStorage, File } = require('nft.storage');
const fs = require('fs');
const API_KEY = 'YOUR_API_KEY';
const storage = new NFTStorage({ token: API_KEY });

async function uploadMedia() {
  const content = await fs.promises.readFile('./arte.png');
  const cid = await storage.storeBlob(new File([content], 'arte.png'));
  console.log('CID da mídia:', cid);
}

uploadMedia();

O comando retorna um CID, por exemplo bafybeihd2.... Guarde‑o, pois será usado no JSON.

4.3 Criação do JSON de metadados

{
  "name": "Coleção Solar",
  "description": "Arte digital gerada por IA, edição limitada.",
  "image": "ipfs://bafybeihd2...",
  "attributes": [
    {"trait_type": "Tema", "value": "Astronomia"},
    {"trait_type": "Edição", "value": "1/100"}
  ]
}

Salve esse conteúdo em metadata.json e faça o upload da mesma forma:

async function uploadMetadata() {
  const meta = await fs.promises.readFile('./metadata.json');
  const cid = await storage.storeBlob(new File([meta], 'metadata.json'));
  console.log('CID do metadado:', cid);
}

uploadMetadata();

4.4 Mintando o NFT no contrato

No contrato Solidity, a função _setTokenURI(tokenId, tokenURI) (ou o padrão ERC‑721 _setTokenURI) recebe a URL completa, que pode ser ipfs://bafybeig... ou um gateway HTTP como https://ipfs.io/ipfs/bafybeig.... Exemplo:

function mint(address to) public returns (uint256) {
    uint256 tokenId = _nextTokenId();
    _safeMint(to, tokenId);
    _setTokenURI(tokenId, "ipfs://bafybeig...");
    return tokenId;
}

5. Boas práticas de persistência no IPFS

Embora o IPFS seja resistente a falhas, o simples fato de adicionar um arquivo não garante que ele permanecerá disponível para sempre. É preciso “pinar” (pin) o conteúdo em nós de confiança. Existem duas estratégias principais:

5.1 Pinning services

Plataformas como Pinata, nft.storage e Web3.Storage oferecem planos gratuitos e pagos (a partir de R$ 30/mês) que mantêm os CIDs fixados em infraestruturas distribuídas. Essa camada de garantia é essencial para projetos de grande porte.

5.2 Operar seu próprio nó IPFS

Equipes avançadas podem rodar um nó dedicado (por exemplo, um VPS com 2 vCPU, 4 GB RAM e 500 GB SSD) e usar o comando ipfs pin add . Embora haja custo de infraestrutura (aprox. R$ 150/mês), a autonomia total pode ser vantajosa para coleções que exigem soberania total.

5.3 Gateways públicos vs. privados

Gateways como https://ipfs.io ou https://gateway.pinata.cloud são convenientes, mas podem sofrer throttling ou indisponibilidade. Recomenda‑se oferecer múltiplos gateways no tokenURI ou usar ipfs:// direto, permitindo que carteiras como MetaMask resolvam via cliente local.

6. Desafios e limitações do uso do IPFS em NFTs

Apesar das vantagens, alguns pontos críticos ainda precisam de atenção:

  • Persistência de longo prazo: Sem pinning, o arquivo pode ser garbage‑collected.
  • Custo de pinning em grande escala: Projetos com milhares de arquivos podem gastar milhares de reais por mês.
  • Latência de recuperação: Gateways públicos podem ter atrasos, impactando a experiência do usuário.
  • Legalidade e compliance: Conteúdos protegidos por direitos autorais podem ser difíceis de remover, já que o CID é imutável.

7. Comparação com armazenamento centralizado (AWS S3, Google Cloud)

Serviços de nuvem oferecem alta disponibilidade e SLAs robustos, mas introduzem um ponto único de falha e dependência de provedores. O IPFS, por outro lado, elimina a necessidade de confiar em um único provedor, mas requer planejamento de pinning e monitoramento.

8. Futuro: Filecoin, NFT.Storage e outras camadas de incentivo

O Filecoin é a camada econômica do IPFS, permitindo que provedores sejam remunerados por armazenar dados por períodos definidos. Muitas plataformas de NFT já integram Filecoin para oferecer garantias de “armazenamento perpétuo”. Serviços como NFT.Storage utilizam Filecoin nos bastidores, oferecendo aos criadores a tranquilidade de que seus metadados permanecerão disponíveis mesmo que o nó original saia da rede.

Conclusão

O uso do IPFS para armazenar metadados de NFTs traz transparência, imutabilidade e descentralização – atributos essenciais para garantir a confiança dos colecionadores e a longevidade dos projetos. Entretanto, a simples inserção de um arquivo na rede não é suficiente; estratégias de pinning, escolha de gateways e, potencialmente, integração com Filecoin são passos indispensáveis para evitar a perda de dados. Ao combinar boas práticas de desenvolvimento (JSON bem estruturado, CID fixado) com ferramentas de pinning confiáveis, desenvolvedores brasileiros podem criar coleções robustas, preparadas para o futuro da Web3.