Introdução
O universo das finanças descentralizadas (DeFi) tem crescido exponencialmente no Brasil, atraindo tanto investidores iniciantes quanto experientes. Com esse crescimento, surge a necessidade de compreender como declarar corretamente as operações DeFi no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Este guia detalhado, atualizado para o exercício de 2025, traz tudo o que você precisa saber para cumprir a obrigação fiscal sem erros.
- Entenda o que caracteriza uma operação DeFi para fins tributários.
- Aprenda a classificar ganhos, perdas e rendimentos provenientes de protocolos DeFi.
- Saiba como preencher a ficha de bens e direitos e a ficha de rendimentos.
- Confira exemplos práticos e dicas para evitar multas.
O que é DeFi?
DeFi, ou finanças descentralizadas, refere‑se a um conjunto de protocolos financeiros construídos sobre blockchain, onde não há intermediários tradicionais como bancos ou corretoras. Entre os principais serviços oferecidos por DeFi estão:
- Yield farming (cultivo de rendimentos).
- Liquidity provision (providência de liquidez).
- Staking e delegação.
- Empréstimos e empréstimos colaterais.
- Swap de tokens e negociação em AMMs (Automated Market Makers).
Por que a Receita Federal se interessa?
A Receita Federal passou a monitorar endereços de carteira (wallets) e exchanges que operam com criptoativos. Desde 2022, a Instrução Normativa RFB nº 2.055 obriga a declaração de criptoativos, incluindo aqueles mantidos em plataformas DeFi. Portanto, todo lucro, renda ou ganho de capital obtido nesses protocolos deve ser informado.
Como a tributação incide sobre as operações DeFi
A tributação varia conforme a natureza da operação:
- Ganho de Capital: Quando você vende ou troca um token por outro com valorização, o lucro é tributado como ganho de capital. A alíquota pode ser de 15% a 22,5% dependendo do valor.
- Rendimento (Yield Farming, Staking, Liquidity Mining): Os rendimentos recebidos são considerados rendimentos tributáveis na fonte, equivalentes a renda variável, e devem ser declarados na ficha de rendimentos.
- Empréstimos (Collateralized Lending): O recebimento de juros sobre empréstimos é tributado como renda.
- Perdas: As perdas podem ser compensadas com ganhos futuros, dentro do mesmo ano‑calendário.
Exemplo de cálculo de ganho de capital
Suponha que você adquiriu 10 ETH por R$ 70.000,00 em janeiro de 2024 e, em outubro de 2025, retirou 5 ETH para um pool de liquidity e recebeu 0,5 ETH como recompensa. Se o preço do ETH em outubro era R$ 130.000,00, o ganho de capital será calculado da seguinte forma:
Valor de aquisição proporcional (5 ETH) = R$ 35.000,00 Valor de mercado (5 ETH) = R$ 650.000,00 Recompensa (0,5 ETH) = R$ 65.000,00 Ganho total = (650.000 + 65.000) - 35.000 = R$ 680.000,00 Alíquota de 15% (primeiros R$ 5 milhões) = R$ 102.000,00 de IR a pagar.
Passo a passo para declarar DeFi no IRPF 2025
1. Reunir documentos e informações
- Extratos de transações de todas as wallets (Metamask, Ledger, etc.).
- Relatórios de ganhos e rendimentos fornecidos por plataformas DeFi (ex.: Aave, Compound, Uniswap).
- Histórico de preços (BTC, ETH, tokens) na data da operação – pode ser obtido em sites como CoinMarketCap ou CoinGecko.
- Comprovantes de taxas de gas (GAS) pagas, pois podem ser deduzidas do custo de aquisição.
2. Preencher a ficha “Bens e Direitos”
Na ficha Bens e Direitos, utilize o código 81 – Criptoativos. Cada wallet ou contrato inteligente deve ser informado separadamente, detalhando:
- Descrição completa (ex.: “Wallet Metamask – 0xABC… – 5 ETH em staking no protocolo Aave”).
- Quantidade de tokens e valor em reais na data de 31/12/2025 (use a cotação oficial da Receita ou média de mercado).
- Informar o endereço da carteira (opcional, mas recomendável).
3. Declarar rendimentos (Ficha “Rendimentos Tributáveis Recebidos de Pessoa Jurídica”)
Os rendimentos provenientes de yield farming, staking ou recompensas de liquidity mining devem ser declarados como renda tributável recebida de pessoa jurídica (código 07). Informe:
- Nome da plataforma (ex.: “Aave”).
- CNPJ ou CPF da plataforma (quando disponível).
- Valor total recebido em reais durante o ano.
4. Declarar ganho de capital (Ficha “Ganhos de Capital”)
Para cada operação de venda, swap ou retirada que gere lucro, preencha a ficha de Ganhos de Capital com:
- Data da aquisição e da alienação.
- Valor de aquisição (incluindo taxas de gas).
- Valor da alienação (cotação do dia).
- Alíquota aplicável e imposto devido.
5. Compensar perdas
Se você teve perdas em algum período, registre-as na mesma ficha de Ganhos de Capital para compensar ganhos futuros, reduzindo o imposto a pagar.
6. Revisar e enviar
Antes de enviar a declaração, revise todas as informações, conferindo se os valores batem com os extratos das plataformas. Utilize o Guia de Imposto de Renda oficial da Receita para validar os códigos de ficha.
Exemplo prático completo
Vamos supor que João tenha realizado as seguintes operações em 2025:
- Depositou R$ 20.000,00 em USDT numa exchange.
- Transferiu USDT para um pool de liquidity no Uniswap, recebendo 0,1 ETH como recompensa.
- Ficou com 0,5 ETH em staking na Aave, recebendo 0,02 ETH de juros mensais.
- Em dezembro, vendeu 0,3 ETH por R$ 150.000,00.
Passo a passo:
- Bens e Direitos: Declarar 0,5 ETH (valor em 31/12/2025 = R$ 250.000,00) e 0,1 ETH de recompensa (valor = R$ 50.000,00).
- Rendimentos: Registrar 0,02 ETH × cotação média do mês (ex.: R$ 16.000,00) como rendimento tributável recebido de pessoa jurídica (código 07).
- Ganhos de Capital: Calcular ganho na venda de 0,3 ETH. Valor de aquisição proporcional (0,3 ETH) = R$ 150.000,00; valor de alienação = R$ 150.000,00 → ganho zero, sem imposto.
- Compensação: Caso João tivesse perdido 0,1 ETH em outra operação, poderia compensar esse valor contra ganhos futuros.
Principais erros cometidos e como evitá‑los
- Não declarar recompensas de staking: Muitas pessoas consideram essas recompensas como “gratuitas”, mas são tributáveis.
- Ignorar as taxas de gas: Elas aumentam o custo de aquisição e reduzem o ganho de capital.
- Usar cotação errada: A Receita aceita a cotação da B3 ou média de sites reconhecidos; evite usar valores de exchanges estrangeiras sem conversão.
- Não compensar perdas: Perdas podem ser usadas para reduzir o imposto devido nos anos seguintes, até o limite de 5 anos.
Dicas para simplificar a declaração de DeFi
- Utilize softwares de rastreamento de cripto (ex.: CoinTracker, Koinly) que geram relatórios compatíveis com a Receita.
- Mantenha um registro mensal das operações em planilhas, incluindo data, token, quantidade, preço e taxas.
- Considere contratar um contador especializado em cripto para validar os números.
- Fique atento às mudanças regulatórias – a cada ano‑calendário a Receita pode atualizar os códigos de ficha.
FAQ – Perguntas Frequentes
1. Devo declarar tokens recebidos como airdrop?
Sim. Airdrops são considerados rendimentos e devem ser declarados na ficha de rendimentos tributáveis, usando o valor de mercado na data do recebimento.
2. Como declarar quando a plataforma não fornece CNPJ?
Quando não há CNPJ, informe apenas o nome da plataforma e indique “não informado” no campo de CNPJ. Ainda assim, os valores recebidos devem ser declarados.
3. E se eu usar uma wallet anônima?
A Receita pode solicitar comprovação das transações. Mantenha extratos de blockchain (screenshots ou arquivos .csv) como prova.
Conclusão
Declarar operações DeFi no IRPF pode parecer complexo, mas seguindo este guia passo a passo você garante conformidade fiscal e evita multas. A chave está na organização dos registros, no uso das fichas corretas e na aplicação das alíquotas adequadas. Lembre‑se de atualizar seus dados a cada ano‑calendário e, se necessário, contar com o apoio de um profissional especializado. Assim, você poderá aproveitar todo o potencial das finanças descentralizadas sem preocupações com a Receita Federal.