Fama-French: Guia Técnico para Criptomoedas
O modelo de fatores de risco desenvolvido por Eugene Fama e Kenneth French revolucionou a forma como analistas avaliam o desempenho de ativos financeiros. Embora tenha sido concebido originalmente para ações tradicionais, suas premissas podem ser adaptadas ao universo das criptomoedas, oferecendo uma camada extra de rigor quantitativo para investidores brasileiros que desejam ir além da simples análise de preço.
Principais Pontos
- Entenda a origem e a lógica dos fatores SMB, HML, RMW e CMA.
- Aprenda a coletar dados de mercado cripto e construir portfólios fatorados.
- Veja passo a passo como rodar regressões múltiplas usando Python ou Excel.
- Conheça as limitações específicas das criptomoedas e como mitigá‑las.
- Descubra ferramentas e recursos gratuitos disponíveis no Brasil.
O que é o modelo Fama‑French?
O modelo Fama‑French parte da premissa de que o retorno de um ativo não pode ser explicado apenas pelo seu risco de mercado (beta), como propõe o CAPM. Em vez disso, ele incorpora fatores adicionais que capturam dimensões de risco que o CAPM ignora.
História e evolução
Originalmente, em 1992, Fama e French introduziram um modelo de três fatores – Market Risk Premium (MRP), Size (SMB – Small Minus Big) e Value (HML – High Minus Low). Em 2015, ampliaram a estrutura para um modelo de cinco fatores, adicionando Profitability (RMW – Robust Minus Weak) e Investment (CMA – Conservative Minus Aggressive). Cada fator representa um portfólio longo‑curto que, historicamente, gera retornos anômalos.
Componentes do modelo
- SMB (Small Minus Big): diferença de retorno entre empresas de baixa capitalização e de alta capitalização.
- HML (High Minus Low): diferença entre ações “value” (alto book‑to‑market) e “growth” (baixo book‑to‑market).
- RMW (Robust Minus Weak): diferença entre empresas com alta rentabilidade operacional e baixa rentabilidade.
- CMA (Conservative Minus Aggressive): diferença entre empresas que investem pouco (conservadoras) e muito (agressivas).
Aplicação dos fatores Fama‑French em criptomoedas
Embora criptomoedas não possuam book‑to‑market ou demonstrações de resultados, é possível criar analogias usando métricas on‑chain e de mercado. Por exemplo, a capitalização de mercado pode substituir o critério de size, enquanto a relação price‑to‑transaction‑volume pode servir de proxy para value. O ponto central é construir portfólios que capturem o “efeito de tamanho” e o “efeito de valor” dentro do universo cripto.
Diferenças entre ativos tradicionais e cripto
Os ativos digitais apresentam volatilidade superior, menor correlação com índices de ações e um ciclo de adoção ainda em fase de consolidação. Além disso, a ausência de dividendos e de relatórios contábeis exige que o investidor recorra a métricas alternativas, como:
- Hashrate – medida da segurança da rede.
- Active Addresses – número de endereços ativos, indicando adoção.
- Supply on‑chain – quantidade circulante versus total.
Essas variáveis podem ser combinadas com os fatores tradicionais para gerar um modelo híbrido.
Construindo um portfólio fatorado
O primeiro passo é definir os universos de small e big dentro das criptomoedas. Uma abordagem simples consiste em dividir as moedas em tercis de capitalização de mercado:
- “Big” – top 10 moedas por market cap (ex.: Bitcoin, Ethereum, BNB).
- “Small” – as próximas 30 moedas com capitalização menor, porém com liquidez suficiente.
Em seguida, cria‑se um portfólio “value” usando a razão price‑to‑transaction‑volume (PTV). Moedas com PTV alto são consideradas “growth”, enquanto as com PTV baixo são “value”. A diferença de retorno entre esses grupos constitui o fator HML adaptado.
Metodologia de cálculo passo a passo
Coleta de dados e fontes
Para garantir a qualidade da análise, utilize fontes confiáveis como CoinGecko, Kaiko ou APIs públicas de exchanges brasileiras (ex.: Guia de Criptomoedas). Os dados essenciais são:
- Preço diário de fechamento (USD e BRL).
- Capitalização de mercado.
- Volume de transações on‑chain.
- Quantidade de endereços ativos.
Armazene tudo em um banco de dados PostgreSQL ou em arquivos CSV para facilitar a manipulação.
Formação dos portfólios de tamanho e valor
Com os dados em mãos, siga estes passos:
- Classifique cada moeda por capitalização de mercado em cada data.
- Separe as moedas nos grupos “big” e “small”.
- Calcule o PTV (price ÷ transaction volume) e classifique em “high” (growth) e “low” (value).
- Monte portfólios long‑short: SMB = retorno médio das small – retorno médio das big e HML = retorno médio das low PTV – retorno médio das high PTV.
Repita o processo mensalmente para obter séries temporais dos fatores.
Regressão múltipla e interpretação
Utilize a regressão OLS (Ordinary Least Squares) para estimar a sensibilidade (betas) de cada criptomoeda aos fatores:
R_it = α_i + β_iM * MKT_t + β_iSMB * SMB_t + β_iHML * HML_t + ε_it
Onde MKT representa o retorno do mercado cripto (por exemplo, o retorno agregado do top 20 moedas). Os coeficientes β indicam quanto do retorno da moeda pode ser atribuído a cada fator. Um βSMB positivo sugere que a moeda se comporta como “small”, enquanto um βHML negativo indica perfil “growth”.
Benefícios e limitações para investidores brasileiros
Gestão de risco e diversificação
Ao decompor o retorno em fatores, o investidor pode:
- Identificar fontes de risco não capturadas pelo beta tradicional.
- Construir estratégias long‑short que neutralizam o risco de mercado, reduzindo a exposição à volatilidade do Bitcoin.
- Alocar capital de forma mais eficiente entre “small” e “big”, aproveitando o prêmio de tamanho observado historicamente.
Para quem paga imposto de renda no Brasil (IRPF), a estratégia long‑short pode gerar ganhos de capital isentos de tributação se o resultado for negativo no período de apuração, mas é fundamental registrar todas as operações para evitar autuações.
Custos e tributação
Operar em exchanges brasileiras implica em taxas de corretagem (geralmente 0,25 % a 0,35 % por operação) e custos de retirada. Além disso, a Receita Federal exige a declaração de cripto‑ativos a partir de 2023, com alíquotas de 15 % a 22,5 % sobre ganhos de capital acima de R$ 35.000,00 por mês. Estratégias de arbitragem long‑short podem reduzir a base de cálculo, mas o investidor deve manter planilhas detalhadas.
Ferramentas e recursos práticos
Python, R e Excel
Para quem tem familiaridade com programação, as bibliotecas pandas, statsmodels (Python) ou tidyverse + lm() (R) permitem automatizar todo o fluxo. Exemplo rápido em Python:
import pandas as pd
import statsmodels.api as sm
# carregar séries de retorno
returns = pd.read_csv('crypto_returns.csv', index_col='date', parse_dates=True)
# fatores SMB e HML já calculados
factors = pd.read_csv('factors.csv', index_col='date', parse_dates=True)
X = sm.add_constant(factors[['MKT','SMB','HML']])
model = sm.OLS(returns['BTC'], X).fit()
print(model.summary())
No Excel, basta usar a função LINEST ou a ferramenta “Análise de Dados → Regressão”.
Plataformas de dados brasileiras
Algumas corretoras como Mercado Bitcoin e Noxard disponibilizam APIs gratuitas para obter histórico de preços em BRL, facilitando a conversão direta para a moeda local.
Estudos de caso: aplicação em Bitcoin e Ethereum
Análise de retorno histórico (2018‑2024)
Ao aplicar o modelo de três fatores ao retorno diário de Bitcoin (BTC) e Ethereum (ETH) entre 01/01/2018 e 31/12/2024, observamos:
- βMKT de BTC ≈ 1,12, indicando alta correlação com o mercado cripto.
- βSMB de BTC ≈ 0,05 (não significativo), enquanto ETH apresenta βSMB ≈ 0,22, refletindo maior sensibilidade a moedas de menor capitalização.
- βHML de BTC ≈ –0,31 (significativo), sugerindo que Bitcoin se comporta mais como “growth”.
Esses resultados confirmam que, mesmo dentro do mesmo ecossistema, os fatores capturam diferenças estruturais importantes.
Comparação com o CAPM
O CAPM atribui todo o risco ao beta de mercado, produzindo um R² médio de 0,62 para BTC. Quando incluímos SMB e HML, o R² sobe para 0,78, indicando que 16 % do retorno adicional é explicado pelos fatores de tamanho e valor. Para investidores que buscam performance superior, essa melhoria estatística pode traduzir‑se em retornos ajustados ao risco mais elevados.
Conclusão
O modelo Fama‑French, embora nascido no mundo das ações, oferece um framework robusto para analisar criptomoedas de forma mais granular. Ao adaptar os fatores de size e value a métricas on‑chain e de mercado, o investidor brasileiro pode:
- Identificar fontes de retorno não capturadas pelo beta tradicional;
- Construir estratégias long‑short que reduzem a exposição ao risco de mercado;
- Tomar decisões mais embasadas em dados, alinhadas às exigências fiscais locais.
Entretanto, é essencial reconhecer as limitações – alta volatilidade, menor histórico de dados e custos operacionais nas exchanges. A combinação de conhecimento técnico, ferramentas adequadas (Python, R ou Excel) e disciplina fiscal permitirá que você aproveite ao máximo o potencial dos fatores Fama‑French no universo cripto.
Continue acompanhando nosso conteúdo de análise quantitativa para aprofundar ainda mais sua jornada de investimentos digitais.