Tese do Banco para os Sem‑Banco: Criptos e Inclusão Financeira

Tese do Banco para os Sem‑Banco: Criptos e Inclusão Financeira

Nos últimos anos, a expressão “bank the unbanked” (bancar os não‑bancarizados) ganhou destaque em debates sobre inclusão financeira, especialmente no Brasil, onde ainda cerca de 30% da população adulta não possui conta em instituição financeira formal. A tese do banco para os sem‑banco propõe que bancos, fintechs e, cada vez mais, projetos de criptomoedas, criem soluções acessíveis, de baixo custo e seguras para levar serviços financeiros a quem está à margem do sistema tradicional.

Principais Pontos

  • Definição da tese “bank the unbanked” e seu histórico.
  • Como a blockchain e as criptomoedas facilitam a inclusão.
  • Desafios regulatórios e tecnológicos no Brasil.
  • Casos de uso reais: Pix, bancos digitais, stablecoins e wallets.
  • Impactos socioeconômicos e perspectivas futuras.

O que é a “tese do banco para os sem‑banco”?

A tese surgiu a partir de duas constatações básicas:

  1. Um grande número de indivíduos não tem acesso a contas bancárias por motivos como baixa renda, falta de documentação ou distância geográfica.
  2. O avanço tecnológico – especialmente smartphones e internet móvel – oferece ferramentas que podem substituir a necessidade de agências físicas.

Assim, a proposta central é usar tecnologia digital para oferecer serviços financeiros básicos (contas, pagamentos, crédito) a quem está fora do sistema bancário tradicional. No Brasil, a iniciativa ganhou força com o lançamento do Pix, que democratizou transferências instantâneas, e com a explosão de fintechs como Nubank e Banco Inter.

Contexto histórico e evolução no Brasil

Até a década de 2000, a taxa de bancarização no Brasil era de cerca de 70%, muito abaixo de países desenvolvidos. Programas como o Banco do Povo tentaram, sem muito sucesso, levar agências a áreas rurais. A virada ocorreu com a popularização dos smartphones (mais de 150 milhões de usuários em 2024) e com a criação do Banco Central de serviços como o Pix, que, em menos de dois anos, chegou a 180 milhões de chaves cadastradas.

Paralelamente, o ecossistema cripto começou a se consolidar. O Brasil tornou‑se um dos maiores mercados de criptomoedas da América Latina, com volume diário de negociação superior a US$ 1 bilhão em 2024. Essa maturidade abriu caminho para que projetos de blockchain fossem vistos como alternativas viáveis para a inclusão financeira.

Papel das criptomoedas e da blockchain na inclusão

As criptomoedas oferecem três vantagens cruciais para quem não possui conta bancária:

1. Acessibilidade via smartphone

Qualquer pessoa com um celular pode baixar uma wallet (carteira digital), criar uma chave pública/privada e começar a enviar ou receber ativos digitais sem precisar de aprovação de um banco.

2. Baixo custo de transação

Enquanto tarifas bancárias podem chegar a R$ 10,00 por operação, redes como a Ethereum (em sua camada de rollups) ou a Solana permitem transferências por menos de R$ 0,05.

3. Transparência e segurança

Os registros são imutáveis e auditáveis, reduzindo fraudes e permitindo que usuários verifiquem historicamente suas transações.

Esses atributos são particularmente relevantes em comunidades vulneráveis, onde a confiança nas instituições tradicionais costuma ser baixa.

Desafios regulatórios e tecnológicos no Brasil

Apesar do potencial, a adoção massiva ainda enfrenta barreiras:

  • Regulação incerta: O Banco Central ainda está definindo normas para cripto‑ativos, stablecoins e serviços de custódia. A Instrução Normativa 1.888, publicada em 2023, trouxe regras para corretoras, mas deixa lacunas para wallets não‑custodiais.
  • Infraestrutura de internet: Embora a penetração de smartphones seja alta, a qualidade da conexão ainda é deficiente em áreas rurais do Norte e Nordeste, limitando o uso de apps de alta latência.
  • Educação financeira: Muitos usuários desconhecem conceitos como chaves privadas, risco de perda de acesso e volatilidade dos cripto‑ativos.

Para contornar esses obstáculos, bancos tradicionais estão firmando parcerias com startups de blockchain e lançando produtos híbridos, como contas digitais que permitem a compra instantânea de stablecoins lastreadas em Real (ex.: Nubank).

Casos de uso reais no Brasil

Pix como catalisador

O Pix democratizou pagamentos instantâneos, mas ainda depende de contas bancárias ou de cartões de débito. Para os sem‑banco, a solução tem sido o Pix via QR Code em pontos de venda que aceitam pagamentos com contas digitais abertas em minutos.

Fintechs e bancos digitais

Plataformas como Nubank, Banco Inter e C6 Bank permitem a abertura de conta com apenas CPF e selfie, eliminando a necessidade de comprovação de renda ou endereço fixo.

Stablecoins lastreadas em Real

Projetos como a BRL Coin (emitida por fintechs reguladas) oferecem a estabilidade do Real combinada com a rapidez da blockchain. Usuários podem converter R$ 1,00 em BRL Coin e enviá‑lo por redes como Polygon, pagando menos de R$ 0,02 por transação.

Carteiras não‑custodiais

Aplicativos como Trust Wallet ou MetaMask permitem que o usuário mantenha controle total de suas chaves. Em comunidades rurais, projetos de extensão têm distribuído dispositivos com wallets pré‑carregadas de pequenas quantias de stablecoins para incentivar o uso.

Impacto socioeconômico

Estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicam que a inclusão financeira pode aumentar a renda per capita em até 6% nos próximos cinco anos, ao facilitar acesso a microcrédito e pagamentos de salários formais. As criptomoedas ampliam esse efeito ao oferecer crédito descentralizado (DeFi) com garantias tokenizadas.

Além disso, a redução de custos de remessa internacional – que no Brasil pode chegar a 10% do valor enviado – é potencializada por protocolos como o Wormhole, que permitem transferência de ativos entre blockchains a preços simbólicos.

Estrategias de bancos tradicionais frente à tese

Os grandes bancos – Banco do Brasil, Bradesco e Itaú – não ficaram alheios ao movimento. Eles estão investindo em:

  • Open Banking: Compartilhamento de dados via API, permitindo que fintechs criem serviços personalizados para o público sem‑banco.
  • Parcerias com startups de blockchain: Programas de aceleração que buscam soluções de identidade digital (ex.: Idemia) para substituir documentos físicos.
  • Emissão de tokens de dívida: Bancos estão emitindo títulos tokenizados que podem ser adquiridos por investidores de pequeno porte, democratizando o acesso a investimentos.

Futuro e tendências: CBDCs e além

O Banco Central já lançou o Real Digital, a CBDC (moeda digital do banco central) em fase piloto. A expectativa é que a CBDC torne ainda mais simples a inclusão, pois poderá ser acessada via smartphones sem necessidade de conta bancária tradicional.

Entretanto, a integração entre CBDC e cripto‑ecosistemas ainda está em fase de testes. O sucesso dependerá de:

  • Regulação clara sobre interoperabilidade.
  • Educação em segurança digital.
  • Infraestrutura de rede 5G para garantir conectividade em áreas remotas.

Conclusão

A tese do banco para os sem‑banco representa mais que um discurso de inclusão; é um conjunto de estratégias tecnológicas, regulatórias e de mercado que, combinadas, podem transformar a realidade de milhões de brasileiros. As criptomoedas e a blockchain trazem a promessa de acessibilidade, baixo custo e transparência, enquanto bancos e fintechs oferecem a confiança institucional necessária para a adoção em massa.

Para que a visão se torne realidade, é essencial que:

  • O regulador estabeleça um marco jurídico estável e favorável à inovação.
  • Os provedores de tecnologia invistam em educação financeira e em soluções offline‑first (funcionamento parcial sem internet).
  • Os usuários adotem práticas seguras de gerenciamento de chaves e compreendam os riscos associados à volatilidade.

Se esses pilares forem fortalecidos, o Brasil pode liderar a América Latina na construção de um sistema financeiro verdadeiramente inclusivo, onde todos – independentemente de renda ou localização – tenham acesso a serviços que antes eram privilégio de poucos.