ZK-proofs: O que são e como funcionam nas criptomoedas

ZK-proofs: O que são e como funcionam nas criptomoedas

As provas de conhecimento zero (ou zero‑knowledge proofs – ZK-proofs) são uma das tecnologias mais revolucionárias do universo cripto. Elas permitem que uma parte (o prover) demonstre a outra (o verifier) que conhece uma informação sem revelar nenhum detalhe sobre ela. Essa capacidade de validar dados de forma privada tem implicações profundas para a segurança, a escalabilidade e a confidencialidade de blockchains.

Introdução

Se você já ouviu falar de moedas digitais como Bitcoin ou Ethereum, provavelmente já se deparou com termos como privacidade e escala. As ZK-proofs surgem como resposta a esses desafios, proporcionando confidencialidade total ao mesmo tempo em que mantêm a verificabilidade pública – duas propriedades que, à primeira vista, parecem incompatíveis.

Principais Pontos

  • Definição formal de ZK-proof e seus componentes essenciais.
  • Diferença entre ZK‑SNARKs, ZK‑STARKs, Bulletproofs e outras variantes.
  • Aplicações práticas em criptomoedas como Zcash, Ethereum e Polygon.
  • Desafios de performance, custo e segurança.
  • Perspectivas futuras e integração com Web3 e identidade digital.

O que são ZK-proofs?

Uma prova de conhecimento zero é um protocolo criptográfico que permite a uma parte provar que possui um determinado conhecimento, sem revelar o próprio conhecimento. Formalmente, um ZK-proof deve satisfazer três propriedades:

  1. Completude: Se a afirmação for verdadeira, o verificador aceitará a prova com alta probabilidade.
  2. Somente‑conhecimento‑zero: Se a afirmação for falsa, o verificador não aprenderá nada além da falsidade da afirmação.
  3. Somente‑conhecimento‑sonda: Um provedor malicioso não pode convencer o verificador de uma afirmação falsa.

Essas propriedades foram introduzidas por Goldwasser, Micali e Rivest em 1985, mas só ganharam destaque prático com o surgimento de blockchains.

História e Evolução

Embora o conceito seja antigo, a implementação prática só se tornou viável depois de 2012, quando os pesquisadores começaram a explorar protocolos não‑interativos (NIZK). A primeira aplicação de grande impacto foi o ZK‑SNARK (Zero‑Knowledge Succinct Non‑Interactive Argument of Knowledge), que alimenta a privacidade de Zcash. Em 2018, surgiram os ZK‑STARKs (Scalable Transparent ARguments of Knowledge), que eliminam a necessidade de um trusted setup e aumentam a escalabilidade.

Como funciona uma ZK-proof?

O fluxo básico de uma ZK-proof pode ser dividido em três fases:

1. Configuração (Setup)

Alguns protocolos exigem um trusted setup, onde parâmetros públicos são gerados. Esses parâmetros são usados tanto pelo provedor quanto pelo verificador. Em protocolos transparentes como ZK‑STARKs, essa fase é substituída por um algoritmo público determinístico.

2. Prova (Proving)

O provedor cria uma prova criptográfica a partir da sua informação secreta (por exemplo, a chave privada ou o saldo da conta). Essa prova é tipicamente um conjunto de números grandes que podem ser verificados rapidamente.

3. Verificação (Verification)

O verificador recebe a prova e, usando apenas os parâmetros públicos, verifica sua validade em tempo constante ou quase‑constante, independentemente do tamanho da informação original.

Um exemplo clássico é o problema do “cavalo e a porta”: o provedor quer provar que conhece a combinação correta sem revelá‑la. A prova pode ser um hash que só seria correto se a combinação fosse conhecida, mas o hash em si não revela a combinação.

Tipos de ZK-proofs

Existem diversas famílias de ZK-proofs, cada uma com trade‑offs específicos.

ZK‑SNARKs

São succinct (pequenas) e non‑interactive. A prova costuma ter alguns kilobytes e a verificação leva milissegundos. No entanto, requerem um trusted setup, que se for comprometido pode comprometer a segurança de toda a rede.

ZK‑STARKs

Eliminam o trusted setup usando funções de hash resistentes a colisões (hashes de tipo “transparent”). As provas são maiores (cerca de 100 KB), mas a verificação ainda é muito rápida e a segurança baseia‑se em suposições pós‑quânticas.

Bulletproofs

Introduzidos em 2017, são range proofs que permitem provar que um número está dentro de um intervalo sem revelar o número. Não requerem trusted setup e tem provas de tamanho logarítmico, porém a verificação é mais custosa que em SNARKs.

Plonk e Halo

São protocolos universal que permitem reutilizar os mesmos parâmetros de setup para múltiplas aplicações. O Halo 2 da Electric Coin Company (ECC) promete provas ainda menores e verificação mais rápida.

Aplicações em Criptomoedas

As ZK-proofs já são parte integrante de várias cadeias de blocos. Vamos analisar as mais relevantes.

Zcash

O Zcash foi a primeira moeda a implementar ZK‑SNARKs para transações privadas (shielded transactions). Cada transferência pode ser verificada sem revelar remetente, destinatário ou valor, mantendo a auditoria pública da validade da transação.

Ethereum

Desde a Ethereum London Upgrade, a rede suporta EIP‑2537, que introduz pré‑compilações para verificação de SNARKs. Projetos como Aztec e zkSync utilizam ZK‑rollups para escalar transações, reduzindo custos de gas em até 100×.

Polygon

O Polygon zkEVM, lançado em 2024, traz compatibilidade total com EVM usando ZK‑STARKs. Ele permite que contratos inteligentes sejam executados off‑chain e, depois, enviados como provas para a cadeia principal, garantindo confirmação quase instantânea e custo quase nulo.

Outras Plataformas

  • StarkNet – rede L2 baseada em ZK‑STARKs, focada em alta escala.
  • Loopring – DEX que usa ZK‑rollups para negociação de alta velocidade.
  • Filecoin – utiliza provas de espaço‑tempo (PoST) combinadas com ZK‑proofs para garantir integridade de dados.

Benefícios das ZK-proofs

As principais vantagens podem ser resumidas em:

  1. Privacidade total: Dados sensíveis permanecem ocultos.
  2. Escalabilidade: Provas curtas reduzem a carga de dados na cadeia.
  3. Segurança: Baseia‑se em hard problems matemáticos, muitas vezes resistentes a ataques quânticos.
  4. Interoperabilidade: Permite provar propriedades de ativos em diferentes cadeias sem revelar detalhes.

Desafios e Limitações

Apesar do potencial, ainda há questões a serem superadas:

Custos de Computação

Gerar provas, especialmente em SNARKs, pode exigir GPUs poderosas ou serviços de nuvem, elevando o custo operacional. Em 2025, o preço médio para gerar uma prova SNARK de transação em Ethereum varia entre R$ 0,30 e R$ 0,80, dependendo da complexidade.

Trusted Setup

Embora protocolos como STARKs eliminem a necessidade de setup, muitos projetos ainda dependem de SNARKs devido à menor tamanho de prova. O risco de comprometimento do setup ainda é uma preocupação.

Complexidade de Implementação

Desenvolver contratos que interajam com verificadores de provas requer conhecimento avançado de criptografia e de linguagens de domínio‑específico (DSL) como Circom ou Noir.

Regulação

Autoridades regulatórias ainda estão avaliando como tratar transações completamente anônimas. No Brasil, a Banco Central tem sinalizado a necessidade de mecanismos de rastreabilidade, o que pode gerar tensões com a adoção massiva de ZK‑proofs.

Segurança e Auditoria

Auditar ZK-proofs requer duas camadas:

  1. Auditoria de código: Verificar a implementação dos circuitos (por exemplo, em Circom).
  2. Auditoria matemática: Validar as suposições de segurança (por exemplo, a resistência a ataques de colusão).

Empresas como Consensys Diligence e Trail of Bits já publicaram relatórios detalhados sobre vulnerabilidades em implementações de SNARKs, destacando a importância de formal verification e bug bounty programs.

Futuro das ZK-proofs

As tendências para os próximos anos incluem:

  • Integração com identidade soberana (SSI): Provas de conhecimento zero podem validar atributos (ex.: maior de idade) sem expor documentos.
  • Combinação com IA: Modelos de aprendizado de máquina podem gerar provas de que um dado foi processado por um algoritmo específico.
  • Rollups universais: Soluções que suportam tanto transações financeiras quanto contratos complexos usando uma única camada de ZK‑proofs.
  • Hardware dedicado: Chips ASIC para geração de provas, reduzindo custos para usuários finais.

Em 2025, vemos projetos como Worldcoin usando ZK‑proofs para validar unicidade de identidade sem expor dados biométricos, sinalizando que a tecnologia está saindo do nicho cripto para aplicações mais amplas.

Conclusão

As provas de conhecimento zero representam um marco na evolução das criptomoedas, oferecendo privacidade, escalabilidade e segurança de forma simultânea. Embora desafios como custos de geração e a necessidade de trusted setups ainda existam, o ecossistema está avançando rapidamente, com novas gerações de protocolos (STARKs, PLONK, Halo) que prometem tornar as ZK-proofs mais acessíveis e robustas.

Para usuários brasileiros que desejam adotar essas tecnologias, a recomendação é começar por plataformas já consolidadas (Zcash, zkSync, Polygon zkEVM) e acompanhar as discussões regulatórias no país. À medida que a Web3 amadurece, as ZK-proofs provavelmente se tornarão a espinha dorsal da privacidade e da confiança digital.