Como protocolos de empréstimo podem falhar: causas, riscos e prevenção

Introdução

Os protocolos de empréstimo são pilares fundamentais da DeFi (Finanças Descentralizadas). Eles permitem que usuários coloquem garantias em cripto‑ativos e recebam empréstimos em stablecoins ou outros tokens, tudo sem a necessidade de intermediários tradicionais. Contudo, apesar da promessa de transparência e eficiência, esses sistemas não são infalíveis. Falhas podem gerar perdas significativas, liquidações inesperadas e até colapsos de todo o ecossistema.

  • Riscos de liquidação automática devido a volatilidade dos ativos colaterais;
  • Vulnerabilidades em oráculos de preço que alimentam os contratos inteligentes;
  • Problemas de governança que podem resultar em decisões prejudiciais;
  • Exploração de bugs de código e falhas de segurança nos smart contracts;
  • Impactos de eventos macroeconômicos e mudanças regulatórias.

O que são protocolos de empréstimo?

Um protocolo de empréstimo DeFi é um conjunto de smart contracts que automatiza a concessão e a gestão de empréstimos. Usuários depositam um ativo como garantia (colateral) e, com base em um fator de colateralização (ex.: 150 %), podem tomar emprestado outro ativo. As regras de juros, prazos e liquidação são definidas pelo código e, geralmente, governadas por tokens de governança.

Tipos de protocolos

Existem duas categorias principais:

  • Protocolo de empréstimo over‑collateralized: exige que o valor do colateral supere o do empréstimo, reduzindo o risco de inadimplência.
  • Protocolo de empréstimo under‑collateralized ou sem colateral: utiliza mecanismos de reputação, crédito on‑chain ou garantias externas, sendo mais vulnerável a fraudes.

Principais causas de falha

1. Volatilidade excessiva dos ativos colaterais

Os cripto‑ativos são notoriamente voláteis. Quando o preço do colateral cai rapidamente, o protocolo aciona a liquidação automática. Se a queda for abrupta, pode não haver liquidez suficiente no mercado para vender o colateral ao preço esperado, gerando perdas para o protocolo e para os credores.

2. Falhas em oráculos de preço

Oráculos são responsáveis por trazer dados externos (preços de mercado) para a blockchain. Um oráculo comprometido ou com atraso pode fornecer preços incorretos, provocando liquidações indevidas ou permitindo que atacantes manipulem o preço para retirar fundos. Exemplos notórios incluem o ataque ao SushiSwap em 2022, onde um preço falsificado gerou perdas de mais de US$ 10 mi.

3. Bugs no código dos smart contracts

Mesmo contratos auditados podem conter vulnerabilidades desconhecidas. Falhas como reentrância, overflow/underflow ou lógica errada podem ser exploradas. O caso da Lendf.me (2023) ilustra como um bug de cálculo de juros permitiu que um usuário drenasse R$ 2,3 mi em tokens.

4. Problemas de governança

Muitos protocolos utilizam tokens de governança (ex.: COMP, AAVE) para votar mudanças. Se a distribuição de poder for concentrada, grandes detentores podem aprovar atualizações que beneficiem a si mesmos em detrimento da comunidade. Em 2024, um ataque de governança no protocolo AlphaLend resultou na mudança de parâmetros de colateralização, expondo milhares de usuários a riscos de liquidação.

5. Falta de liquidez nos mercados de venda

Quando um protocolo precisa liquidar ativos, ele depende de pools de liquidez. Se esses pools estiverem esgotados ou com slippage alto, a venda ocorre a preços desfavoráveis, agravando perdas. Estratégias de flash loan podem exacerbar essa situação, drenando rapidamente a liquidez disponível.

6. Ataques de flash loan

Um flash loan permite tomar emprestado grandes quantias sem colateral, desde que o empréstimo seja quitado na mesma transação. Hackers podem usar esse recurso para manipular preços de oráculos ou pools de liquidez, forçando liquidações e extraindo lucro.

Exemplos reais de falhas

Terra (UST) – Colapso de stablecoin

Embora não seja um protocolo de empréstimo tradicional, o colapso da stablecoin UST em 2022 demonstrou como a dependência de algoritmos e oráculos pode desestabilizar todo o ecossistema DeFi, afetando protocolos de empréstimo que utilizavam UST como colateral.

Lendf.me – Bug de cálculo de juros

Em março de 2023, um usuário descobriu que o contrato calculava juros de forma linear, ignorando a taxa de juros acumulada. Aproveitando o bug, ele retirou mais de R$ 2,3 mi em tokens, forçando o protocolo a suspender as operações por duas semanas.

AlphaLend – Ataque de governança

Em janeiro de 2024, detentores de 30 % dos tokens de governança aprovaram uma proposta que reduziu o fator de colateralização de 150 % para 110 %. Isso permitiu que atacantes abrissem posições excessivamente alavancadas, levando a liquidações massivas quando o preço do ETH caiu 12 % em um único dia.

Como mitigar os riscos

1. Diversificação de colaterais

Utilizar múltiplos ativos como garantia reduz a exposição a quedas bruscas em um único token. Protocolos como Aave já permitem que usuários depositam stablecoins, ETH, BTC e tokens de alta liquidez simultaneamente.

2. Oráculos robustos e descentralizados

Empregar oráculos múltiplos (Chainlink, Band, DIA) e combinar suas leituras por meio de mediações reduz a chance de manipulação. Além disso, implementar mecanismos de fallback para preços internos pode servir como camada extra de segurança.

3. Auditorias regulares e bug bounties

Contratar empresas de auditoria reconhecidas e manter programas de recompensas por vulnerabilidades (bug bounty) garante que o código seja revisado continuamente. Atualizações devem ser testadas em testnets antes da implantação em mainnet.

4. Governança descentralizada e multisig

Limitar o poder de voto a um número razoável de participantes e exigir períodos de timelock para mudanças críticas impede que decisões precipitadas sejam aplicadas imediatamente.

5. Reservas de liquidez e seguros DeFi

Manter reservas de liquidez em stablecoins e participar de seguros descentralizados (ex.: Nexus Mutual) oferece uma rede de proteção contra eventos de liquidação inesperada.

6. Educação do usuário

Investidores devem compreender os fatores de colateralização, monitorar a saúde de suas posições e utilizar ferramentas de alerta de preço. Plataformas como CryptoWatch enviam notificações quando o risco de liquidação aumenta.

Checklist de segurança para usuários de empréstimos DeFi

  • Verifique se o protocolo possui auditorias recentes e recompensas por bugs.
  • Analise a composição dos oráculos e a existência de mecanismos de fallback.
  • Observe o fator de colateralização e ajuste seu risco conforme sua tolerância.
  • Mantenha parte da sua carteira em stablecoins para cobrir chamadas de margem.
  • Use ferramentas de monitoramento de preço e alertas de liquidação.
  • Considere adquirir cobertura de seguros DeFi.

Conclusão

Os protocolos de empréstimo são instrumentos poderosos que democratizam o acesso ao crédito no universo cripto. Contudo, como qualquer tecnologia emergente, apresentam vulnerabilidades que podem ser exploradas por atores maliciosos ou desencadeadas por eventos de mercado. Ao entender as principais causas de falha – volatilidade, oráculos, bugs, governança e liquidez – e ao adotar boas práticas de mitigação, investidores brasileiros podem participar desses ecossistemas com maior segurança e confiança. A chave está na combinação de tecnologia robusta, auditoria constante e educação contínua.