SEC e a classificação de criptoativos: o que os investidores brasileiros precisam saber

Introdução

A U.S. Securities and Exchange Commission (SEC) tem desempenhado um papel central na definição de como os criptoativos são tratados nos Estados Unidos e, por extensão, no resto do mundo. Para o público brasileiro, que acompanha de perto os movimentos regulatórios internacionais, entender a postura da SEC é essencial para tomar decisões de investimento mais seguras e alinhadas com as exigências legais.

Principais Pontos

  • Como a SEC define “valor mobiliário” no contexto de criptoativos.
  • O teste de Howey e sua aplicação prática.
  • Exemplos reais de tokens classificados como securities.
  • Impactos diretos para investidores e projetos no Brasil.
  • Estratégias de compliance para quem deseja operar com cripto no mercado global.

O que é a SEC e por que sua decisão importa?

A SEC foi criada em 1934, após a Grande Depressão, com o objetivo de proteger investidores, manter mercados justos e facilitar a formação de capital. Embora sua atuação seja focada nos Estados Unidos, a agência tem jurisdição extraterritorial quando se trata de ofertas que alcançam investidores americanos ou que utilizam infraestrutura dos EUA, como exchanges registradas.

Histórico da regulação de criptoativos pela SEC

Desde o surgimento do Bitcoin em 2009, a SEC tem avaliado gradualmente como diferentes tipos de criptoativos se encaixam nas definições existentes de valores mobiliários. Os marcos mais relevantes incluem:

  1. 2013 – Primeiro comunicado oficial sobre Bitcoin, afirmando que não era considerado security.
  2. 2017 – Aviso sobre Initial Coin Offerings (ICOs), classificando várias delas como valores mobiliários.
  3. 2020 – Decisão contra a Ripple (XRP), reforçando o uso do teste de Howey.
  4. 2022 – Adoção de diretrizes sobre “stablecoins” e ativos digitais de custódia.

Como a SEC classifica criptoativos?

A classificação parte de um conceito central: valor mobiliário (security). Para determinar se um criptoativo se enquadra nessa categoria, a SEC aplica o Teste de Howey, criado em 1946 a partir do caso SEC v. W.J. Howey Co.. O teste tem quatro requisitos:

  1. Investimento de dinheiro.
  2. Em uma empresa comum.
  3. Com expectativa de lucro.
  4. Baseado nos esforços de terceiros.

Se todas as condições forem satisfeitas, o ativo é tratado como security e deve obedecer às normas de registro ou isenção de registro da SEC.

Aplicação prática do teste de Howey

Vamos analisar cada requisito com exemplos do universo cripto:

  • Investimento de dinheiro: Compra de tokens com fiat (R$, USD) ou outras criptomoedas.
  • Empresa comum: Projeto que utiliza recursos coletados para desenvolver uma plataforma única.
  • Expectativa de lucro: Quando os investidores adquirem tokens esperando valorização baseada no desempenho da rede.
  • Esforços de terceiros: Se o sucesso depende principalmente da equipe fundadora ou de desenvolvedores externos.

Se o token cumpre esses critérios, a SEC o tratará como security.

Exemplos reais de criptoativos classificados como securities

Alguns casos emblemáticos ajudam a entender a lógica da SEC:

  • Ripple (XRP): Em 2020, a SEC alegou que a XRP era um security porque a maioria dos tokens foi vendida em ICOs com promessa de valorização e dependia dos esforços da Ripple Labs.
  • Telegram Open Network (TON): A SEC bloqueou a venda de tokens Gram, alegando que se tratavam de valores mobiliários não registrados.
  • Block.one (EOS): Embora a empresa tenha registrado a oferta, ainda enfrentou multas por violações de divulgação.

Esses precedentes influenciam diretamente projetos que desejam captar recursos nos EUA ou que operam em exchanges que atendem investidores americanos.

Impactos para investidores brasileiros

Mesmo que você resida no Brasil, a classificação da SEC pode afetar seu portfólio de duas maneiras principais:

  1. Exclusão de exchanges internacionais: Muitas corretoras que operam nos EUA exigem que seus usuários não residentes comprem apenas tokens que não sejam securities. Isso pode limitar o acesso a determinados ativos.
  2. Risco regulatório cruzado: Caso um token seja considerado security nos EUA, a CVM pode seguir a mesma lógica e exigir registro ou restrição de comercialização no Brasil.

Além disso, investidores institucionais brasileiros que desejam investir em fundos de cripto nos EUA precisam garantir que os ativos estejam em conformidade com a SEC.

Estratégias de compliance para projetos brasileiros

Se você está desenvolvendo um projeto que pretende captar recursos globalmente, adotar boas práticas de compliance desde o início é essencial. Algumas recomendações:

  • Realizar um “Howey Test” interno: Contrate advogados especializados para avaliar se seu token pode ser classificado como security.
  • Considerar isenções de registro: Regimes como o Regulation D (private placement) ou Regulation S (oferta fora dos EUA) podem ser úteis.
  • Transparência nas informações: Publique whitepapers detalhados, relatórios financeiros e auditorias independentes.
  • Utilizar soluções de tokenização de equity: Caso o objetivo seja representar participação societária, registre o token como security desde o início.

Essas medidas não só reduzem o risco de sanções, como também aumentam a confiança dos investidores.

O cenário regulatório brasileiro

A CVM tem acompanhado de perto as decisões da SEC. Em 2023, a autarquia publicou orientações sobre “tokens de investimento” e reforçou que, quando houver expectativa de lucro baseada em esforços de terceiros, o ativo será tratado como security e precisará de registro ou isenção.

Além da CVM, o Banco Central (BC) e a Receita Federal também têm avançado em regulamentações que impactam a tributação e a custódia de criptoativos. A convergência entre as normas brasileiras e as internacionais tende a criar um ambiente mais seguro para os investidores, mas também exige maior diligência.

Comparação entre a SEC e a CVM

Aspecto SEC (EUA) CVM (Brasil)
Base legal U.S. Securities Act de 1933 Instrução CVM nº 588/2017
Teste de classificação Howey Test Adaptação do Howey + análise de risco
Jurisdição extraterritorial Sim, quando há investidores EUA Limita-se ao território nacional, mas reconhece decisões internacionais
Sanções Multas, injunções, proibição de negociação Multas, suspensão de registro, responsabilização civil

O futuro da regulação de criptoativos

Nos próximos anos, espera‑se que tanto a SEC quanto a CVM avancem em duas frentes principais:

  1. Definição clara de “stablecoins”: A estabilidade e a reserva de lastro serão reguladas como instrumentos financeiros.
  2. Regime de “token securities”: Criação de categorias específicas que reconheçam tokens como valores mobiliários, mas com requisitos simplificados para projetos inovadores.

Além disso, a cooperação internacional – através de organismos como a IOSCO (International Organization of Securities Commissions) – tende a harmonizar normas, facilitando a operação de projetos que atuam em múltiplas jurisdições.

FAQ – Perguntas Frequentes

Um token que não paga dividendos pode ser security?
Sim. O critério de lucro pode vir da valorização de preço, não apenas de dividendos.
Como saber se um token listado em exchange americana é security?
Verifique se a exchange requer registro da oferta ou se o token está listado sob isenção (Regulation D, S).
Investidores brasileiros podem participar de ICOs nos EUA?
É possível, mas é preciso garantir que a oferta esteja em conformidade com a SEC ou que o investidor se enquadre em isenções específicas.
O que acontece se a SEC considerar meu token security após o lançamento?
Você pode ser obrigado a registrar a oferta, pagar multas ou suspender a negociação do token nos EUA.

Conclusão

A abordagem da SEC para a classificação de criptoativos tem repercussões diretas no Brasil, tanto para investidores individuais quanto para projetos que buscam captar recursos internacionais. Entender o teste de Howey, acompanhar precedentes judiciais e alinhar-se às diretrizes da CVM são passos fundamentais para operar de forma segura e sustentável no ecossistema cripto.

Ao adotar práticas de compliance robustas e manter-se atualizado sobre as mudanças regulatórias, você reduz riscos, aumenta a credibilidade do seu projeto e contribui para a maturação do mercado de cripto no Brasil.