Token Semi-Fungível (SFT): O Guia Completo para Cripto no Brasil

Introdução

Nos últimos anos, a explosão dos tokens não‑fungíveis (NFTs) trouxe à tona uma nova forma de representar ativos digitais únicos na blockchain. Entretanto, o universo dos tokens evoluiu ainda mais, dando origem aos tokens semi‑fungíveis (SFT). Se você ainda não sabe o que são, como funcionam ou por que podem ser a próxima grande tendência para criadores, investidores e desenvolvedores no Brasil, este artigo é o seu ponto de partida. Vamos analisar a fundo a tecnologia, casos de uso, aspectos regulatórios e tudo o que você precisa para começar a operar com SFTs de forma segura e estratégica.

Principais Pontos

  • Diferença entre tokens fungíveis, não‑fungíveis e semi‑fungíveis.
  • Estrutura técnica dos SFTs baseada no padrão ERC‑1155 (e equivalentes).
  • Casos de uso reais: jogos, colecionáveis dinâmicos, finanças descentralizadas (DeFi) e identidade digital.
  • Passo a passo para criar, emitir e comercializar um SFT.
  • Riscos, custos e considerações regulatórias específicas para o Brasil.

O que são tokens fungíveis e não‑fungíveis?

Antes de adentrar nos SFTs, é essencial entender os dois pilares que já dominam o mercado de cripto‑ativos:

  • Tokens fungíveis: são intercambiáveis entre si, como o Bitcoin (BTC) ou o Ether (ETH). Cada unidade tem o mesmo valor e pode ser substituída por outra da mesma quantidade.
  • Tokens não‑fungíveis (NFTs): representam um ativo único e indivisível. Cada NFT possui um identificador exclusivo (token ID) e metadados que descrevem seu conteúdo, como obras de arte digitais, terrenos virtuais ou certificados de autenticidade.

Esses dois tipos atendem a necessidades diferentes. Enquanto os fungíveis são ideais para pagamentos e liquidez, os NFTs trazem exclusividade e escassez digital.

Definição de Token Semi‑Fungível (SFT)

Um token semi‑fungível combina características de ambos os mundos. Ele pode ser fungível dentro de um grupo específico e não‑fungível quando comparado a tokens de outro grupo. Em termos práticos, imagine um jogo onde todas as espadas de nível 1 são equivalentes (fungíveis), mas cada espada pode ser aprimorada, ganhar skins ou atributos únicos, tornando‑as distintas (não‑fungíveis) ao longo do tempo.

Na prática, os SFTs são implementados por padrões de contrato inteligente que permitem múltiplas classes de token dentro de um único contrato, reduzindo custos de gas e simplificando a gestão de ativos. O padrão mais difundido é o ERC‑1155, que suporta tanto fungibilidade quanto não‑fungibilidade em um mesmo contrato.

Como funcionam os SFTs na prática

Estrutura de dados

Um contrato ERC‑1155 mantém um mapeamento de uint256 (ID do token) para uint256 (quantidade). Quando a quantidade é maior que 1, o token é tratado como fungível dentro daquele ID. Quando a quantidade é 1, ele se comporta como um NFT. Essa flexibilidade permite que um desenvolvedor crie, por exemplo, 10.000 unidades de um item “copo virtual” (fungível) e, ao mesmo tempo, 100 unidades de “copo de edição limitada” (não‑fungível).

Metadados

Os metadados são armazenados em JSON e podem apontar para arquivos hospedados em IPFS ou outros sistemas descentralizados. Cada ID pode ter um URI diferente, permitindo que tokens dentro do mesmo contrato tenham propriedades distintas. Para SFTs, os metadados costumam incluir atributos que podem mudar ao longo do tempo (por exemplo, nível, experiência ou aparência), o que requer funções de atualização no contrato inteligente.

Smart contracts e atualização de estado

Um contrato SFT possui funções como mint, burn e setURI. A atualização de atributos pode ser feita via eventos que acionam “upgrades” ou “transformações” do token. Essa dinâmica abre espaço para modelos de negócios inovadores, como “tokenização de direitos de uso” ou “assinaturas digitais” que evoluem com a participação do usuário.

Casos de Uso dos SFTs

1. Jogos e Metaversos

Nos jogos blockchain, itens como armas, skins e recursos podem ser emitidos como SFTs. Um item pode começar como fungível (ex.: 1.000 unidades de “poção de vida”) e, a medida que o jogador a utiliza, transforma‑se em um token único com atributos personalizados. Isso reduz a necessidade de múltiplos contratos e otimiza o consumo de gas.

2. Colecionáveis Dinâmicos

Artistas digitais podem lançar séries onde cada obra começa como parte de um lote (fungível) e, após eventos específicos – como leilões, curtidas ou participação em comunidade – se transforma em uma peça única com assinatura digital. Esse modelo incentiva o engajamento da comunidade e cria valor incremental.

3. Finanças Descentralizadas (DeFi)

Protocolos DeFi utilizam SFTs para representar posições de liquidez que podem ser fracionadas (fungíveis) e, simultaneamente, rastrear atributos como data de vencimento, taxa de juros ou risco associado. Um exemplo são os “vault tokens” que, ao serem resgatados, podem gerar NFTs com histórico de performance.

4. Identidade Digital e Certificados

Em soluções de identidade baseada em blockchain, credenciais podem ser emitidas como SFTs: inicialmente, todas as credenciais de um mesmo tipo (ex.: certificado de conclusão de curso) são fungíveis, mas ao serem vinculadas a um usuário específico recebem atributos únicos, como foto, data de emissão e validade.

Comparação entre NFT, SFT e Token Fungível

Característica Fungível (ERC‑20) Não‑Fungível (ERC‑721) Semi‑Fungível (ERC‑1155)
Unicidade Não Sim Parcial (dentro de um ID)
Divisibilidade Sim Não Sim (quantidade >1) ou Não (quantidade =1)
Custo de Deploy Baixo (um contrato) Alto (um contrato por coleção) Moderado (um contrato para múltiplas classes)
Flexibilidade de Metadados Limitada Alta (URI por token) Alta (URI por ID, atualização possível)
Uso típico Moedas, stablecoins Arte, terrenos virtuais Jogos, DeFi, certificados

Como criar e emitir um SFT

1. Escolha da blockchain

Embora o ERC‑1155 seja padrão na Ethereum, outras redes compatíveis com EVM – como Polygon, Binance Smart Chain (BSC) e Avalanche – oferecem taxas de gas mais baixas, o que é crucial para projetos que exigem alta frequência de mint e burn.

2. Definição do padrão e ferramentas

Existem bibliotecas prontas em Solidity (OpenZeppelin ERC1155) e frameworks de desenvolvimento como Hardhat ou Truffle que facilitam a criação do contrato. O fluxo básico inclui:

  1. Instalar @openzeppelin/contracts;
  2. Estender a classe ERC1155;
  3. Implementar funções de mint controlado (ex.: mint(address to, uint256 id, uint256 amount, bytes data));
  4. Adicionar lógica de atualização de URI para tokens que evoluem.

3. Registro de metadados

Os metadados podem ser armazenados em IPFS usando ferramentas como Pinata ou NFT.Storage. É recomendável criar um esquema JSON que inclua campos como name, description, image, attributes e, para SFTs, um campo state que reflita a evolução do token.

4. Testes e auditoria

Antes de lançar na mainnet, execute testes unitários (Mocha/Chai) e simulações de carga. Auditar o contrato com empresas reconhecidas (ex.: PeckShield, CertiK) reduz riscos de vulnerabilidades que podem comprometer a escassez e a segurança dos SFTs.

5. Lançamento e listagem

Após a implantação, registre o contrato em exploradores (Etherscan, Polygonscan) e, se desejar liquidez, submeta o token a marketplaces que suportam ERC‑1155, como OpenSea, Rarible ou marketplaces especializados em jogos (ex.: Enjin Marketplace).

Riscos e considerações regulatórias no Brasil

O cenário regulatório brasileiro ainda está se adaptando aos ativos digitais. Embora o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ainda não tenham emitido diretrizes específicas para SFTs, alguns pontos são fundamentais:

  • Classificação como valor mobiliário: Se o SFT for vendido como investimento ou representar participação nos lucros, pode ser enquadrado como security e exigir registro na CVM.
  • Tributação: Ganhos de capital na venda de SFTs são tributados como ganho de capital em cripto‑ativos, com alíquota de 15% a 22,5% dependendo do valor.
  • Proteção ao consumidor: Ofertas públicas que não apresentam informações claras podem violar o Código de Defesa do Consumidor.
  • AML/KYC: Exchanges e plataformas que permitem negociação de SFTs devem adotar procedimentos de combate à lavagem de dinheiro, conforme a Resolução CMN nº 4.658.

Recomendamos a consulta a um advogado especializado em blockchain antes de iniciar um projeto comercial envolvendo SFTs.

Perguntas Frequentes (FAQ)

O que diferencia um SFT de um NFT?

Enquanto um NFT (ERC‑721) é sempre único, um SFT pode ser emitido em múltiplas cópias dentro do mesmo ID, tornando‑se fungível naquele conjunto. Quando a quantidade é 1, ele age como NFT, permitindo que o mesmo contrato gerencie ambos os tipos.

Como criar um SFT na prática?

Escolha a rede, use a biblioteca OpenZeppelin ERC1155, implemente funções de mint e URI, faça o upload dos metadados em IPFS e implante o contrato via Hardhat. Depois, registre o token em marketplaces que suportam ERC‑1155.

Quais são os casos de uso mais promissores?

Jogos blockchain, colecionáveis que evoluem, posições de DeFi que precisam de rastreamento de atributos e credenciais digitais são os principais setores onde os SFTs estão ganhando tração.

Conclusão

Os tokens semi‑fungíveis representam uma evolução natural da tokenização, oferecendo flexibilidade, eficiência de gas e novas possibilidades de negócios que combinam escassez e divisibilidade. Para desenvolvedores brasileiros, a adoção do padrão ERC‑1155 abre portas para criar ecossistemas mais dinâmicos, enquanto investidores podem encontrar oportunidades de valor agregado em projetos que utilizam SFTs para gamificação, finanças e identidade digital. Contudo, é crucial estar atento às questões regulatórias, realizar auditorias de segurança e planejar estratégias de marketing que eduquem o público sobre as diferenças entre fungível, não‑fungível e semi‑fungível. Ao dominar esses aspectos, você estará posicionado à frente na vanguarda da inovação blockchain no Brasil.