O futuro da propriedade de ativos digitais em jogos

Introdução

Nos últimos cinco anos, a convergência entre jogos eletrônicos, blockchain e cripto‑ativos redefiniu a forma como jogadores e desenvolvedoras encaram a propriedade de itens virtuais. Enquanto antes tudo ficava restrito ao servidor da empresa, hoje os tokens não‑fungíveis (NFTs) permitem que o usuário detenha, troque e até monetize seus skins, personagens e terrenos de maneira descentralizada. Para o público brasileiro – que já demonstra forte engajamento com cripto, especialmente nas faixas iniciante e intermediária – entender as tendências que moldarão esse ecossistema é essencial.

Principais Pontos

  • Diferença entre propriedade custodial e non‑custodial.
  • Impacto das regulamentações da CVM e do Banco Central.
  • Interoperabilidade entre mundos virtuais via padrões como ERC‑1155.
  • O papel das DAOs na governança de ativos e economias de jogos.
  • Casos de sucesso e lições aprendidas até 2025.

O que são ativos digitais em jogos?

Ativos digitais são representações eletrônicas de itens que possuem valor dentro ou fora do ambiente de jogo. Eles podem ser fungíveis – como moedas de jogo – ou não‑fungíveis, que possuem identidade única. Quando armazenados em uma blockchain pública, esses ativos se tornam indivisíveis, escassos e verificáveis, permitindo que o proprietário prove sua titularidade sem depender de um provedor central.

Blockchain e NFTs nos games

A tecnologia blockchain fornece o registro imutável necessário para garantir a escassez e a autenticidade dos NFTs. No Brasil, plataformas como blockchain gaming já adotam protocolos que reduzem taxas de gas e melhoram a experiência do usuário, tornando a integração mais fluida para quem ainda não domina a camada técnica.

Tipos de NFTs usados em jogos

  • Skins e cosméticos: alteram a aparência sem impactar a jogabilidade.
  • Personagens e heróis: carregam atributos, níveis e habilidades que podem ser transferidos entre jogos compatíveis.
  • Terrenos virtuais: parcelas de mundos persistentes onde os jogadores constroem, monetizam e interagem.
  • Itens utilitários: armas, ferramentas ou recursos que afetam diretamente a mecânica do jogo.

Modelos de propriedade: custodial vs non‑custodial

Existem duas abordagens principais para a guarda de ativos digitais:

Custodial

Quando a própria plataforma de jogo mantém a chave privada que controla o NFT. Essa solução simplifica a experiência do usuário, pois ele não precisa gerenciar carteiras. Contudo, a confiança permanece centralizada, e o risco de bloqueio ou perda de acesso permanece alto.

Non‑custodial

O usuário detém a chave privada em sua própria carteira (MetaMask, Trust Wallet, etc.). A propriedade é verdadeiramente descentralizada, permitindo que o ativo seja transferido livremente entre marketplaces, jogos e até utilizado como garantia em protocolos de finanças descentralizadas (DeFi). O desafio aqui é a usabilidade; os iniciantes precisam entender conceitos como seed phrase e segurança de chaves.

Desafios regulatórios no Brasil

Até 2025, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central têm avançado na definição de normas para cripto‑ativos. Alguns pontos críticos para os jogos incluem:

  • Classificação de NFTs como valores mobiliários: se o token confere direitos de participação nos lucros do jogo, pode ser considerado security.
  • Tributação: ganhos de capital na venda de NFTs são tributados, exigindo registro adequado.
  • Proteção ao consumidor: necessidade de termos claros sobre reversibilidade de compras e políticas de devolução.

Desenvolvedoras que adotam políticas de transparência e colaboram com autoridades tendem a ganhar mais confiança dos jogadores brasileiros.

Interoperabilidade entre mundos virtuais

Um dos maiores sonhos da comunidade gamer é que um item adquirido em um título possa ser usado em outro, criando um metaverso verdadeiramente conectado. Os padrões ERC‑1155 e ERC‑721, combinados com protocolos como Enjin e Immutable X, estão pavimentando esse caminho. No Brasil, projetos como mercado de NFTs já oferecem APIs que facilitam a migração de ativos entre diferentes jogos que suportam o mesmo padrão.

Desafios técnicos

  • Diferenças de balanceamento: um item poderoso em um jogo pode quebrar a economia de outro.
  • Compatibilidade de metadados: os atributos precisam ser mapeados de forma consistente.
  • Escalabilidade: transações em alta frequência exigem soluções de camada‑2 ou sidechains.

Impacto econômico e modelos de monetização

Com a propriedade real dos ativos, surgem novas fontes de receita para jogadores e desenvolvedoras:

Play‑to‑Earn (P2E)

Jogadores recebem tokens ou NFTs como recompensa por jogarem. Esses ativos podem ser vendidos em exchanges ou usados dentro do próprio ecossistema. Exemplos como Axie Infinity mostraram que, em mercados emergentes, o P2E pode gerar renda superior ao salário mínimo.

Staking de ativos

Proprietários podem “travar” seus NFTs em contratos inteligentes para receber rendimentos passivos, similar ao staking de criptomoedas. Essa prática cria um círculo virtuoso de engajamento e valorização dos itens.

Licenciamento e royalties

Smart contracts permitem que criadores recebam royalties automáticos a cada revenda de um NFT, garantindo fluxo contínuo de receita mesmo após a primeira venda.

Casos de uso e projetos relevantes até 2025

Alguns projetos se destacam por demonstrar a viabilidade comercial e técnica da propriedade digital:

Axie Infinity

Popularizou o modelo P2E ao permitir que jogadores coletem criaturas (Axies) como NFTs. No Brasil, milhares de jogadores alcançaram renda extra, embora o mercado tenha sofrido volatilidade em 2024.

The Sandbox

Um mundo virtual onde terrenos (LAND) são NFTs. Usuários criam jogos, experiências de marca e vendem itens na Marketplace. O ecossistema brasileiro tem se destacado com artistas que vendem obras digitais por valores entre R$ 200 e R$ 5.000.

Decentraland

Oferece eventos ao vivo, concertos e feiras de negócios virtuais. Parcerias com empresas brasileiras de energia e entretenimento mostraram que a propriedade de espaços pode ser utilizada para estratégias de marketing B2B.

Immutable X + Enjin

Essas soluções de camada‑2 permitem mintagem de NFTs sem taxas de gas, facilitando a adoção por desenvolvedoras que não querem repassar custos altos ao usuário final.

O papel das DAOs na governança dos ativos

Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs) surgem como forma de comunidade decidir sobre upgrades, distribuição de recompensas e políticas de queima de tokens. Em jogos, as DAOs podem:

  • Votar em mudanças de balanceamento.
  • Definir percentuais de royalties para criadores.
  • Gerir fundos de desenvolvimento via tesouraria de tokens.

Essa governança distribuída aumenta a confiança dos jogadores, que se sentem parte da evolução do produto.

Tendências para 2026 e além

Olhar adiante nos permite identificar as tecnologias que provavelmente transformarão a propriedade digital nos games:

Metaversos cross‑chain

Plataformas que conectam blockchains diferentes (Ethereum, Polygon, Solana) usando pontes seguras, permitindo que um NFT viaje entre ecossistemas sem perder funcionalidade.

Inteligência Artificial e NFTs dinâmicos

Itens que evoluem automaticamente com base em algoritmos de IA – por exemplo, uma espada que ganha atributos ao observar o estilo de jogo do usuário.

Realidade aumentada (AR) integrada

Jogos que projetam NFTs no mundo físico via AR, criando experiências híbridas onde o usuário pode “possuir” um dragão digital que aparece em sua sala de estar.

Regulação clara e incentivos fiscais

Projetos piloto do governo brasileiro podem oferecer benefícios fiscais para desenvolvedoras que adotem práticas de transparência e compliance, estimulando a indústria nacional.

Conclusão

O futuro da propriedade de ativos digitais em jogos no Brasil está sendo construído sobre três pilares: tecnologia blockchain robusta, regulação inteligente e engajamento da comunidade via DAOs. Para jogadores iniciantes e intermediários, compreender a diferença entre custódia, os riscos regulatórios e as oportunidades de monetização é o primeiro passo para aproveitar plenamente esse novo paradigma. À medida que padrões de interoperabilidade amadurecem e soluções de camada‑2 reduzem custos, a promessa de um metaverso verdadeiramente aberto se torna mais tangível. O momento de se envolver, aprender a gerir sua carteira e participar das discussões sobre governança é agora – antes que a próxima onda de inovação transforme novamente a forma como jogamos e possuímos nossos mundos virtuais.