Tornado Cash e sanções: o que saber no Brasil

Introdução

Tornado Cash tornou‑se um dos mixers de criptomoedas mais conhecidos do ecossistema, mas também um dos alvos de sanções internacionais. Para o investidor brasileiro – seja iniciante ou intermediário – entender o que está em jogo é essencial para evitar riscos legais, proteger a privacidade e manter a conformidade com as regras de combate à lavagem de dinheiro (AML) e ao financiamento do terrorismo (CFT). Este artigo aprofunda os aspectos técnicos, jurídicos e práticos do caso Tornado Cash, analisando as sanções impostas pelos Estados Unidos, o impacto no Brasil e as estratégias que os usuários podem adotar.

  • O que é Tornado Cash e como funciona o mixer de transações.
  • Detalhes das sanções da OFAC e o fundamento legal.
  • Consequências para usuários e exchanges brasileiras.
  • Como manter a privacidade de forma legal.
  • Alternativas ao Tornado Cash e boas práticas de compliance.

O que é Tornado Cash?

Tornado Cash é um protocolo de privacidade construído sobre a blockchain Ethereum. Ele permite que usuários “misturem” seus ETH ou tokens ERC‑20, enviando‑os para um contrato inteligente que os agrupa com fundos de outros participantes. Depois, os usuários podem retirar o mesmo valor – ou próximo a ele – de um endereço diferente, dificultando a rastreabilidade da origem.

O nome “Tornado” reflete a analogia com um redemoinho que suga e redistribui o ar, tornando impossível identificar de onde veio cada partícula. O código do contrato é totalmente open‑source, auditado por especialistas e executado de forma descentralizada, sem um operador central.

Como o mixer funciona na prática

1. **Depósito** – O usuário envia ETH ou token para o contrato Tornado Cash, indicando um “commitment” (hash criptográfico) que protege sua identidade.
2. **Pool de anonimato** – O contrato agrupa todos os depósitos em um pool comum. Quanto maior o pool, maior a privacidade, pois há mais combinações possíveis.
3. **Retirada** – O usuário fornece a prova de conhecimento zero‑knowledge (zk‑SNARK) que demonstra que tem direito a retirar fundos sem revelar qual depósito corresponde à retirada.
4. **Endereço de saída** – O valor é enviado para um endereço de saída controlado pelo usuário, que pode ser totalmente novo e não ter relação aparente com o endereço de depósito.

Esse processo elimina a necessidade de confiar em um terceiro para proteger a privacidade, ao contrário de mixers centralizados que exigem KYC e mantêm registros internos.

Sanções internacionais: OFAC e o caso Tornado Cash

Em agosto de 2022, o Office of Foreign Assets Control (OFAC) dos Estados Unidos incluiu o endereço inteligente do contrato Tornado Cash na lista de Specially Designated Nationals (SDN). A medida foi tomada sob a acusação de que o protocolo facilitou a lavagem de mais de US$ 7 bilhões provenientes de atividades ilícitas, incluindo ransomware, fraude e evasão de sanções.

Ao ser designado como SDN, qualquer pessoa ou entidade dos EUA – e, por extensão, empresas que operam sob jurisdição americana, como exchanges globais – tem proibido interagir com o endereço. Isso inclui enviar, receber ou até mesmo manter tokens associados ao contrato.

Fundamento legal da sanção

A OFAC baseou sua decisão no International Emergency Economic Powers Act (IEEPA) e nas regras de combate ao financiamento ao terrorismo. A justificativa central foi que o Tornado Cash oferecia um “canal anônimo” que dificultava a aplicação de ferramentas de rastreamento usadas por agências de aplicação da lei.

Além da lista SDN, a OFAC emitiu orientações de compliance para instituições financeiras, exigindo que façam screening de endereços de blockchain em transações de cripto‑ativos. A prática, embora ainda em fase de consolidação, tem gerado debates sobre a viabilidade de monitorar atividades descentralizadas.

Impactos para usuários brasileiros

Embora a sanção seja emitida pelos EUA, seus efeitos reverberam globalmente, inclusive no Brasil. As principais consequências são:

  • Bloqueio de fundos em exchanges internacionais: Plataformas como Binance, Coinbase e Kraken, que mantêm licenças nos EUA, congelaram ou retiraram da listagem os tokens associados ao Tornado Cash. Usuários que enviaram ETH para o contrato via essas exchanges podem ter visto seus saldos congelados.
  • Risco de compliance para corretoras brasileiras: Exchanges nacionais que operam sob a supervisão da CVM e do Banco Central precisam adotar políticas de AML/CFT. Embora não sejam diretamente obrigadas a seguir a OFAC, a maioria opta por alinhar‑se às melhores práticas internacionais para evitar sanções secundárias.
  • Possível responsabilização criminal: O Ministério da Justiça brasileiro tem indicado que a lavagem de dinheiro via cripto‑ativos será tratada com severidade. Utilizar um mixer sancionado pode ser interpretado como tentativa de ocultar origem ilícita, expondo o usuário a processos penais.
  • Desvalorização de ativos: O medo de bloqueios pode levar a uma queda de preço nos tokens que circulam por mixers, impactando investidores que mantêm posições em ETH ou tokens DeFi que foram “misturados”.

Portanto, o usuário brasileiro deve avaliar cuidadosamente a relação custo‑benefício de usar o Tornado Cash após as sanções.

Como a CVM e o Banco Central encaram o tema

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou, em 2023, orientações sobre “serviços que facilitam a anonimização de cripto‑ativos”. O documento recomenda que instituições de pagamento e corretoras implementem mecanismos de transaction monitoring e solicitem informações detalhadas sobre a origem dos fundos quando houver indícios de uso de mixers.

Já o Banco Central, por meio da Política de Ativos Digitais, reforça a necessidade de identificar o “beneficiário efetivo” em todas as operações, sob pena de multas que podem chegar a R$ 5 milhões por infração.

Aspectos técnicos e de privacidade

Do ponto de vista técnico, o Tornado Cash utiliza provas zk‑SNARKs, que permitem validar uma transação sem revelar informações subjacentes. Essa tecnologia é considerada uma das mais avançadas para garantir privacidade em blockchains públicas.

Entretanto, a privacidade total não é garantida:

  • **Risco de correlação de endereços** – Se o usuário reutilizar endereços ou não limpar completamente seus rastros, analistas podem emparelhar transações de entrada e saída.
  • **Análise de timing** – A diferença de tempo entre depósito e retirada pode ser usada para inferir relações.
  • **Ataques de rede** – Se o cliente usar a mesma rede IP para interagir com o contrato, adversários podem associar a atividade ao usuário.

Portanto, boas práticas incluem:

  1. Usar VPN ou Tor para ocultar o IP.
  2. Empregar endereços “fresh” (novos) tanto para depósito quanto para retirada.
  3. Esperar períodos aleatórios antes de retirar, aumentando a incerteza.

Compliance e boas práticas para usuários brasileiros

Mesmo que a legislação brasileira ainda esteja em processo de amadurecimento, seguir princípios de compliance reduz significativamente o risco de sanções ou processos:

  • Conheça a origem dos seus fundos: Mantenha registros de compra, transferências e qualquer operação que preceda o uso do mixer.
  • Documente a finalidade: Se a utilização do mixer for para proteger a privacidade de transações lícitas (por exemplo, doações anônimas), mantenha provas que sustentem essa justificativa.
  • Evite interagir com endereços sancionados: Consulte listas públicas da OFAC, da UE e de outros órgãos antes de enviar fundos.
  • Use exchanges locais reguladas: Plataformas como Mercado Bitcoin, Foxbit e BitPreço seguem as diretrizes da CVM e podem oferecer suporte em caso de dúvidas sobre compliance.

Essas medidas ajudam a demonstrar boa‑fé caso a autoridade fiscal solicite informações.

Alternativas ao Tornado Cash

Com as sanções, surgiram outras soluções de privacidade que ainda não foram alvo de medidas restritivas:

  • Aztec Protocol – Utiliza zero‑knowledge rollups para criar transações confidenciais em Ethereum, permitindo transferir valores sem revelar quantias ou endereços.
  • Railgun – Um mixer descentralizado que combina stealth addresses e zk‑SNARKs, oferecendo anonimato semelhante ao Tornado, porém com design mais recente.
  • Incognito Chain – Uma sidechain que permite a privacidade de múltiplos ativos, incluindo Bitcoin e Ethereum, por meio de provas de conhecimento zero.
  • CoinJoin para Bitcoin – Embora não seja um mixer inteligente, o CoinJoin agrupa várias transações em uma única, dificultando a análise de fluxo.

É importante notar que, embora ainda não estejam sancionados, essas soluções podem vir a ser alvos de futuras restrições. Avalie sempre a reputação, auditorias de segurança e o nível de descentralização antes de adotar qualquer ferramenta.

Principais Pontos

  • Tornado Cash é um mixer descentralizado baseado em zk‑SNARKs que permite anonimizar ETH e tokens ERC‑20.
  • Em 2022, a OFAC dos EUA incluiu o contrato inteligente na lista SDN, bloqueando interações por entidades sob jurisdição americana.
  • Usuários brasileiros podem enfrentar bloqueios em exchanges internacionais, risco de responsabilização criminal e necessidade de reforçar compliance.
  • Boas práticas incluem uso de VPN/Tor, endereços fresh, documentação da origem dos fundos e consulta a listas de sanções.
  • Alternativas como Aztec, Railgun e CoinJoin oferecem privacidade, mas também podem vir a ser sancionadas no futuro.

Conclusão

As sanções impostas ao Tornado Cash revelam a crescente tensão entre privacidade tecnológica e políticas de combate à lavagem de dinheiro. Para o investidor brasileiro, o desafio está em equilibrar a necessidade legítima de anonimato com a obrigação de obedecer a normas nacionais e internacionais. Ao adotar uma postura proativa de compliance, utilizar ferramentas de privacidade reconhecidamente seguras e manter-se atualizado sobre mudanças regulatórias, é possível navegar no ecossistema cripto de forma responsável e protegida.

Em última análise, a escolha de usar ou não o Tornado Cash – ou qualquer outro mixer – deve ser baseada em uma análise de risco detalhada, considerando tanto os benefícios de privacidade quanto as possíveis repercussões legais. O cenário regulatório continuará a evoluir, e o usuário que se mantiver bem‑informado terá a vantagem competitiva necessária para prosperar no mercado de criptoativos.