Críticas ao Modelo Move-to-Earn: Por que Ganhar Dinheiro Caminhando Não É a Solução Mágica

Nos últimos anos, o conceito de move-to-earn (M2E) ganhou destaque enorme na mídia de criptomoedas e nas redes sociais. Aplicativos como STEPN, Sweatcoin e Fitmint prometem recompensar usuários que se exercitam, transformando passos em tokens criptográficos. À primeira vista, a ideia parece um casamento perfeito entre gamificação, saúde e finanças descentralizadas. Contudo, uma análise mais profunda revela uma série de questões técnicas, econômicas e sociais que colocam em dúvida a viabilidade de longo prazo desse modelo.

1. O Funcionamento Básico do Move-to-Earn

Um aplicativo M2E normalmente segue três pilares:

  • Tokenômica: emissão de um token nativo que pode ser negociado em exchanges.
  • Gamificação: metas diárias, rankings e recompensas que incentivam a participação.
  • Integração de Dados: sensores de GPS e acelerômetros convertem movimentos físicos em métricas digitais.

Esses componentes criam um ecossistema onde atividade física se converte em valor econômico. No entanto, o design tokenômico raramente é sustentável.

2. Críticas Econômicas ao Modelo Tokenômico

A maioria dos projetos M2E lança uma quantidade massiva de tokens nos primeiros meses para atrair usuários. Essa prática gera inflação desenfreada, diluindo o valor dos tokens já distribuídos. Como apontam especialistas da economia dos criadores, a emissão descontrolada de ativos digitais costuma criar bolhas especulativas que estouram rapidamente.

Além disso, a dependência de staking e yield farming para “ganhar” mais tokens gera um efeito de piramidal – os primeiros usuários se beneficiam desproporcionalmente, enquanto os novos entram em um mercado com pouca liquidez e preços desvalorizados.

2.1. Falta de Utilidade Real

Para que um token tenha valor duradouro, ele precisa ter uma utilidade clara dentro do ecossistema (governança, pagamento de serviços, acesso a recursos exclusivos etc.). Muitos projetos M2E tratam o token apenas como cobertura de recompensas, sem um caso de uso robusto. Quando a utilidade desaparece, o preço despenca, como ocorreu com o token GMT da STEPN em 2022.

Críticas ao modelo move-to-earn - token utility
Fonte: Allison Saeng via Unsplash

3. Problemas de Segurança e Privacidade

Os aplicativos M2E coletam dados sensíveis de localização e saúde dos usuários. Se esses dados são armazenados em servidores centralizados, eles se tornam alvos de ataques cibernéticos. Mesmo quando adotam soluções descentralizadas, a anonimização nem sempre é suficiente para proteger a privacidade.

Além disso, a CoinDesk já relatou incidentes de exploração de vulnerabilidades em contratos inteligentes que gerenciam recompensas, permitindo que atores maliciosos drenem fundos ou criem contas falsas para inflar métricas de atividade.

4. Impacto na Saúde e no Comportamento

Embora a proposta de incentivar exercícios seja louvável, transformar a atividade física em um jogo de dinheiro pode gerar efeitos adversos:

  • Overtraining: usuários podem ultrapassar limites saudáveis apenas para acumular tokens.
  • Desmotivação Intrínseca: a motivação passa a ser extrínseca (ganhar dinheiro) ao invés de intrínseca (bem‑estar), o que pode levar a abandono quando a recompensa diminui.
  • Desigualdade Geográfica: áreas rurais ou com pouca cobertura de internet têm dificuldade em participar, criando um viés favorável a usuários urbanos.

Um estudo publicado na Nature demonstra que a motivação monetária pode reduzir a aderência a programas de exercício a longo prazo.

5. Centralização Oculta nas Plataformas

Apesar de muitos projetos alegarem “descentralização”, na prática, a governança costuma ser controlada por poucos desenvolvedores ou fundos de investimento. A Gestão de Comunidade em Cripto destaca que a concentração de poder pode levar a decisões que privilegiam os interesses dos criadores de token em detrimento dos usuários.

Exemplos incluem:

  • Atualizações de contrato que mudam regras de recompensa sem consulta à comunidade.
  • Alteração de parâmetros de emissão que aumentam a inflação.
  • Fechamento de funcionalidades consideradas “inúteis” pelos desenvolvedores, mas que ainda geram renda para certos usuários.

6. Estratégias de Mitigação e Boas Práticas

Para quem ainda deseja explorar o modelo M2E, algumas estratégias podem atenuar os riscos:

  1. Transparência Tokenômica: publicar vocabulário completo de emissão, distribuição e vesting.
  2. Adoção de Governança Descentralizada: envolver a comunidade nas decisões de parâmetros críticos (por exemplo, através de DAO).
  3. Camada de Privacidade: usar soluções de zero‑knowledge proofs para proteger dados de localização.
  4. Integração com Marketing em Web3: criar campanhas que combinam recompensas de token com valor de marca, ajudando a criar demanda real para o token.
  5. Parcerias com Apps de Saúde: validar a atividade física por meio de certificados médicos ou APIs de dispositivos reconhecidos.

Essas práticas ainda são incipientes, mas mostram que há espaço para evoluir o conceito para algo mais sustentável.

7. Conclusão

O modelo move-to-earn é, sem dúvida, inovador e atrativo, principalmente para um público acostumado com gamificação e cripto‑recompensas. Contudo, as críticas apontadas – inflação tokenômica, centralização oculta, vulnerabilidades de segurança, impactos negativos na saúde e falta de utilidade real – indicam que ainda está longe de ser uma solução viável a longo prazo.

Investidores e usuários devem analisar cuidadosamente a arquitetura do token, a governança da plataforma e as políticas de privacidade antes de se envolver. O futuro desse modelo depende de uma re‑engenharia que priorize sustentabilidade econômica, descentralização genuína e respeito pela saúde dos participantes.