Contabilidade para criptoativos: Guia completo para investidores e empresas no Brasil

Introdução

O universo dos criptoativos mudou a forma como pensamos sobre dinheiro, investimento e até mesmo sobre a própria definição de valor. Porém, junto com a inovação vem a necessidade de entender como esses ativos são tratados pela legislação tributária e contábil. Este guia foi elaborado para esclarecer, de forma prática e aprofundada, como fazer a contabilidade para criptoativos no contexto brasileiro, atendendo tanto investidores individuais quanto empresas que operam com moedas digitais.

1. O que são criptoativos e por que a contabilidade deles é diferente?

Criptoativos englobam moedas digitais (como Bitcoin e Ethereum), tokens utilitários, tokens de segurança, stablecoins e NFTs. Diferente de ativos tradicionais, eles não possuem um emissor centralizado, o que traz desafios na mensuração, reconhecimento e classificação contábil. Enquanto ativos financeiros convencionais podem ser avaliados pelo custo de aquisição ou valor justo com base em preços de mercado consolidados, os criptoativos muitas vezes apresentam volatilidade extrema e falta de referências de preço em determinados momentos.

1.1 Classificação segundo a IFRS e CPC

O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) ainda não possui um pronunciamento específico para criptoativos, porém as orientações gerais de Receita Federal e as normas internacionais (IFRS) podem ser aplicadas. Na prática, as empresas costumam classificar os criptoativos como:

  • Ativo não circulante – quando mantidos como reserva de valor ou investimento de longo prazo.
  • Ativo circulante – quando são usados para transações rotineiras ou negociação frequente.

A escolha da classificação impacta diretamente na forma de mensuração (custo ou valor justo) e na periodicidade das avaliações.

1.2 Diferenças frente a moedas fiduciárias

Embora o Bitcoin seja frequentemente tratado como “moeda digital”, ele não é reconhecido como moeda corrente no Brasil. Por isso, o CVM e a Receita Federal retiram a premissa de equivalência direta com o Real (BRL) e exigem tratamento específico para fins de tributação.

2. Obrigações fiscais para quem possui criptoativos

O fisco brasileiro passou a exigir a declaração de criptoativos tanto na Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF) quanto na Escrituração Contábil Fiscal (ECF) de empresas. As principais obrigações são:

  • Declaração de Bens e Direitos: usar o código 81 (Outros bens e direitos – criptoativos) e informar o valor de aquisição ou o custo de produção.
  • Ganho de Capital: ao vender, trocar ou utilizar criptoativos, é necessário apurar o ganho ou perda e recolher o tributo (15% sobre o ganho, com isenção até R$ 35 mil mensais).
  • Operações de Day‑Trade: a alíquota de 20% incide sobre o ganho, independente do valor total.
  • Apuração de IRPJ/CSLL para empresas: criptoativos mantidos como estoque ou ativo financeiro devem ser incluídos no lucro real.

É fundamental manter um registro detalhado de todas as movimentações (data, quantidade, preço em real, taxa de corretagem, hash da transação, etc.) para facilitar a apuração e evitar autuações.

2.1 Quando ocorre a obrigação de declarar?

Mesmo que o investidor não tenha realizado nenhuma venda, a simples posse de criptoativos acima de R$ 30 mil no final do ano calendário obriga a declaração. Caso o saldo seja inferior, a obrigação permanece apenas se houver operações que geraram ganhos ou perdas tributáveis.

Contabilidade para criptoativos - even investor
Fonte: Sigmund via Unsplash

3. Como montar um controle contábil eficiente

Um bom controle contábil começa com a escolha de ferramentas adequadas. Existem softwares de contabilidade que se integraram com APIs de exchanges (Binance, OKX, Mercado Bitcoin, etc.) e automatizam a coleta de dados. Caso prefira planilhas, siga as etapas abaixo:

3.1 Estrutura da planilha

  1. Identificação da operação: data, tipo (compra, venda, troca), exchange ou carteira.
  2. Quantidade e ativo: número de unidades, token ou moeda.
  3. Valor em BRL: preço de negociação convertido para real no momento da transação (usar cotação do Banco Central).
  4. Taxas: corretagem, taxa de retirada, gas.
  5. Resultado: ganho ou perda em reais, base de cálculo do imposto.

Esta planilha deve ser atualizada diariamente e mantida por, no mínimo, cinco anos, conforme exige a legislação fiscal.

3.2 Reconciliação bancária e de carteira

Além das exchanges, muitas pessoas mantêm criptoativos em wallets privadas (MetaMask, Ledger, etc.). É essencial fazer a reconciliação das transações on‑chain com os lançamentos contábeis, utilizando exploradores de blockchain como Etherscan ou Blockchain.com. Este processo garante que nenhum movimento fique sem registro, evitando divergências na apuração de impostos.

4. Impacto da regulamentação brasileira

A Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019 e as recentes regras do Banco Central trazem novas exigências para instituições que operam com criptoativos. Em 2023, o governo avançou com a criação da Lei de Criptoativos (Projeto de Lei 4.388/2021), que define o tratamento jurídico, fiscal e de prevenção à lavagem de dinheiro (PLD).

4.1 Principais pontos da nova legislação

  • Obrigatoriedade de registro de exchanges no Banco Central e na CVM como instituições financeiras.
  • Obrigação de comunicar ao COAF (Centro de Prevenção à Lavagem de Dinheiro) operações acima de R$ 30 mil.
  • Definição de “token de segurança” como valor mobiliário, sujeitando‑o às regras da CVM.
  • Criação de Standards de Contabilidade de Criptoativos que deverão ser adotados a partir de 2025.

Para as empresas, isso significa que a contabilidade deverá ser ainda mais detalhada, com relatórios mensais que incluam informações de origem e destinação dos ativos, além de documentação de compliance.

4.2 Como se adaptar?

Recomenda‑se a adoção de um política interna de registro de criptoativos, envolvendo os departamentos de contabilidade, compliance e TI. Essa política deve definir:

  1. Responsáveis pela coleta de dados.
  2. Procedimentos de validação de preços e taxas.
  3. Periodicidade de revisão dos saldos (diária, semanal).
  4. Arquivamento de documentos (capturas de tela, PDFs de extratos).

5. Estratégias de otimização tributária

Embora a legislação seja clara quanto à tributação, existem estratégias legais para reduzir a carga tributária. Algumas práticas adotadas por investidores experientes incluem:

5.1 Holding de criptoativos

Constituir uma holding familiar pode possibilitar o diferimento de impostos, já que o ganho de capital é tributado apenas no momento da distribuição de lucros. Contudo, a holding deve seguir as mesmas obrigações de registro e relatório.

Contabilidade para criptoativos - holding company
Fonte: Sortter via Unsplash

5.2 Realização de perdas para compensação

Perdas em operações de cripto podem ser compensadas com ganhos futuros no mesmo exercício ou nos dois anos subsequentes, reduzindo o imposto devido. É crucial manter o registro das perdas e apresentá‑las na declaração anual.

5.3 Utilização de stablecoins para gestão de caixa

Ao converter parte dos ganhos em stablecoins (como USDT) imediatamente após a venda, o investidor pode evitar a volatilidade e, ao mesmo tempo, manter a posição em ativos digitais. A tributação ocorre no momento da conversão para a stablecoin, mas a base de cálculo será o valor em reais no instante da operação.

6. Ferramentas e recursos recomendados

Para facilitar a contabilidade de criptoativos, recomendamos as seguintes soluções:

  • CoinTracker – integração com múltiplas exchanges e geração automática de relatórios de imposto.
  • Koinly – suporte a moedas brasileiras e cálculo de ganhos em real.
  • Excel/Google Sheets com templates específicos (ex.: Como Começar a Investir em Criptomoedas: Guia Definitivo para Iniciantes no Brasil).
  • Software de contabilidade – SAP Business One, Totvs, ou Contmatic, com módulos de ativos digitais.

Além disso, manter-se atualizado lendo materiais como Diferença entre Token e Moeda: Guia Completo para Entender Criptomoedas e Tokens ajuda a compreender o cenário em constante evolução.

7. Perguntas frequentes (FAQ) – Respostas rápidas

Veja as dúvidas mais comuns que surgem ao lidar com a contabilidade de criptoativos.

Conclusão

A contabilidade para criptoativos exige atenção redobrada, devido à volatilidade dos preços, à ausência de regulamentação consolidada e ao rigor das obrigações fiscais brasileiras. Ao adotar processos estruturados, utilizar ferramentas adequadas e acompanhar a evolução normativa, investidores e empresas podem transformar a complexidade em vantagem competitiva, evitando multas e aproveitando oportunidades de otimização tributária.

Se você ainda tem dúvidas sobre como iniciar ou melhorar sua prática contábil, não hesite em consultar um contador especializado em cripto e manter seu planejamento em dia.