Críticas ao modelo S2F: Por que o Stock‑to‑Flow está perdendo credibilidade no mercado cripto

Críticas ao modelo S2F: Por que o Stock‑to‑Flow está perdendo credibilidade no mercado cripto

O modelo Stock‑to‑Flow (S2F) ganhou notoriedade em 2019 quando o analista conhecido como PlanB o utilizou para prever o preço do Bitcoin. A ideia de relacionar a “escassez” de um ativo (stock) com a sua produção anual (flow) parece simples, mas, à medida que o mercado evolui, surgem críticas fundamentadas que questionam sua validade, principalmente em um ecossistema tão dinâmico quanto o das criptomoedas.

1. O que é o modelo Stock‑to‑Flow?

Em termos econômicos, o Stock‑to‑Flow é a razão entre a quantidade total de um bem existente (stock) e a quantidade produzida em um período específico (flow). Para o Bitcoin, o stock corresponde ao número total de BTC já minerados, enquanto o flow é a quantidade de novos BTC emitidos a cada ano. A fórmula tradicional é:

SF = Stock / Flow

PlanB demonstrou que, historicamente, o preço do Bitcoin apresentava uma correlação forte com o logaritmo do SF, sugerindo que a escassez crescente levaria a valorizações expressivas.

2. Por que o modelo S2F começou a ser questionado?

Embora a correlação inicial fosse impressionante, vários fatores começaram a enfraquecer a confiança no modelo:

  • Falta de consideração de demanda: O S2F foca exclusivamente na oferta, ignorando variáveis como adoção institucional, regulamentação e sentimento de mercado.
  • Eventos macro‑econômicos: Crises financeiras, políticas monetárias agressivas e mudanças regulatórias podem impactar o preço independentemente da escassez.
  • Alterações na emissão: Propostas de mudanças no protocolo (ex.: redução de recompensas, queimas de tokens) modificam o fluxo futuro, tornando a projeção estática obsoleta.

3. A influência de queimas de tokens e mecanismos deflacionários

Um ponto crítico que o modelo S2F não captura são as queimas de tokens e estratégias deflacionárias adotadas por projetos cripto. Quando um token é queimado, o stock diminui, mas o flow permanece inalterado, alterando drasticamente a razão SF. Essa dinâmica pode gerar movimentos de preço que o modelo tradicional não prevê.

Críticas ao modelo S2F - model token
Fonte: Paris Bilal via Unsplash

Além disso, tokens deflacionários – como descrito em nosso guia completo – introduzem mecanismos que reduzem continuamente a oferta circulante, criando um cenário onde a escassez não segue a linearidade esperada pelo S2F.

4. O papel da capitalização de mercado e do FDV

Outro ponto de crítica refere‑se à capitalização de mercado versus o Fully Diluted Valuation (FDV). O S2F ignora a diferença entre o valor real de mercado (baseado no fornecimento circulante) e o valor potencial total (baseado no fornecimento máximo). Em projetos com grande diferença entre esses números, a simples razão stock/flow pode levar a previsões inflacionadas.

5. Análise de correlação e regressão: o que os dados mostram?

Estudos recentes que reavaliam a regressão log‑log do S2F apontam para um que caiu de ~0,85 (em 2020) para menos de 0,60 em 2024. Esse declínio indica que a relação estatística entre SF e preço está se enfraquecendo. Vários fatores contribuem para isso:

  1. Maior diversificação de ativos digitais (DeFi, NFTs, LSTs, etc.) que reduzem a dependência do Bitcoin como reserva de valor.
  2. Entrada de investidores institucionais que utilizam métricas de risco‑retorno mais sofisticadas, como Sharpe Ratio e VaR, ao invés de simples escassez.
  3. Eventos de “restaking” e “liquid staking” (ex.: LSTs) que criam novos fluxos de renda e alteram a percepção de valor.

6. Comparação com modelos alternativos

Para entender melhor as limitações do S2F, vale comparar com outras abordagens de precificação:

  • Modelo de Metcalfe: Baseia‑se no número de usuários conectados à rede. Estudos mostram que, para o Bitcoin, a correlação com o número de endereços ativos pode ser tão forte quanto a do S2F.
  • Modelo de Oferta‑Demanda (Supply‑Demand): Incorpora variáveis macro‑econômicas, volume de negociação e sentimento de mercado.
  • Modelo de Fluxo de Caixa Descontado (DCF) aplicado a tokens: Utiliza projeções de receitas geradas por protocolos (ex.: taxas de transação) e desconta a um custo de capital adequado.

Essas abordagens, embora mais complexas, fornecem uma visão mais holística e são menos vulneráveis a mudanças abruptas na política de emissão.

Críticas ao modelo S2F - approaches while
Fonte: Shubham Dhage via Unsplash

7. O futuro do S2F: adaptação ou obsolescência?

Alguns analistas defendem que o modelo pode ser ajustado para incluir variáveis de queima, staking e fluxos de renda. Por exemplo, uma versão “S2F‑2” poderia ser:

SF2 = (Stock – Tokens Queimados) / (Flow + Staking Rewards)

Entretanto, essa complexificação reduz a simplicidade que originalmente fez o S2F popular. Além disso, a necessidade de dados precisos e em tempo real (por exemplo, quantidades de tokens queimada em protocolos diferentes) torna a aplicação prática mais desafiante.

8. Conclusão

O modelo Stock‑to‑Flow ainda tem valor como referência histórica, mas as críticas apontam que sua capacidade preditiva está em declínio diante de um ecossistema cripto cada vez mais sofisticado. Investidores que confiam exclusivamente no S2F correm o risco de subestimar fatores críticos como queimas de tokens, protocolos de restaking, mudanças regulatórias e a própria evolução da demanda.

Para uma análise robusta, recomenda‑se combinar o S2F com métricas de alta autoridade (como o modelo de Metcalfe) e considerar indicadores de dominância do Bitcoin e capitalização de mercado. Assim, a tomada de decisão será baseada em um panorama mais completo e menos suscetível a falhas de modelagem.