A tese da blockchain modular (ex: Celestia para disponibilidade de dados)
Nos últimos anos, o ecossistema de blockchains tem passado por uma revolução estrutural. Enquanto as primeiras gerações de redes – como Bitcoin e Ethereum – adotaram um modelo monolítico, onde consenso, execução de contratos e disponibilidade de dados são responsabilidades de um único protocolo, a nova onda de blockchains modulares propõe separar essas funções em camadas especializadas. Essa divisão promete aumentar a escalabilidade, a segurança e a flexibilidade de desenvolvimento, permitindo que projetos se concentrem em seu core‑business sem reinventar toda a pilha tecnológica.
1. O que é uma blockchain modular?
Uma blockchain modular desacopla, ao menos, duas funções essenciais:
- Consenso: a camada que garante que todos os nós concordem sobre a ordem dos blocos.
- Disponibilidade de dados: a camada que assegura que os dados de cada bloco estejam acessíveis a todos os participantes, mesmo quando não são diretamente armazenados na camada de consenso.
Além disso, muitas arquiteturas introduzem uma terceira camada – a execução – que processa transações e contratos inteligentes. Essa separação permite que cada camada evolua independentemente, adotando otimizações específicas sem comprometer o conjunto.
2. Por que a disponibilidade de dados se tornou um gargalo?
Em blockchains monolíticas, cada nó deve armazenar e validar todo o histórico de transações. À medida que a rede cresce, os requisitos de armazenamento e banda aumentam exponencialmente, gerando custos operacionais elevados e limitando a participação de nós menores. Essa centralização de recursos pode levar a centralization pressure, onde apenas grandes players conseguem manter nós completos, reduzindo a descentralização.
Ao delegar a disponibilidade de dados a uma camada especializada, como a proposta pela Celestia, a rede de consenso pode focar exclusivamente em validar a ordem dos blocos, enquanto a camada de disponibilidade (data availability layer – DAL) garante que os dados estejam acessíveis por meio de técnicas como erasure coding e data availability sampling. Essa abordagem diminui drasticamente o custo para os validadores e abre caminho para sharding eficiente.
3. Celestia: o pioneiro da disponibilidade de dados
Celestia foi lançada como a primeira data availability layer pública e permissionless. Seu modelo se baseia em dois pilares:

- Protocolo de consenso Tendermint adaptado para validar blocos de disponibilidade em vez de executar transações.
- Erasure coding avançado, que fragmenta os dados em pedaços menores e distribui esses pedaços entre os nós. Mesmo que apenas uma fração dos nós seja consultada, é possível reconstruir o bloco completo com alta probabilidade.
Essas técnicas reduzem o bandwidth necessário para cada nó em mais de 90%, permitindo que validadores de baixo custo participem da rede. Além disso, Celestia oferece compatibilidade com múltiplas cadeias de execução (EVM, Cosmos SDK, etc.), funcionando como um “data hub” para quaisquer blockchains que queiram se beneficiar da disponibilidade garantida.
4. Benefícios práticos da modularização
- Escalabilidade horizontal: ao adicionar mais nós à camada de disponibilidade, a rede pode suportar volumes de dados maiores sem degradar a performance.
- Segurança aprimorada: cada camada pode ser auditada e atualizada independentemente, reduzindo a superfície de ataque.
- Flexibilidade de desenvolvimento: projetos podem escolher a camada de execução que melhor se adapta ao seu caso de uso, enquanto confiam na camada de consenso e disponibilidade de dados já testada.
- Interoperabilidade: diferentes cadeias de execução podem compartilhar a mesma camada de disponibilidade, facilitando a comunicação cross‑chain.
5. Casos de uso reais
Várias iniciativas já estão explorando a arquitetura modular:
- Rollups da Ethereum: ao usar Celestia como camada de disponibilidade, rollups podem reduzir a carga de dados que precisam publicar diretamente na Ethereum, melhorando a velocidade e diminuindo custos.
- Aplicações DeFi que requerem alta taxa de transação, como EigenLayer, podem se beneficiar de uma camada de disponibilidade externa para armazenar provas de estado sem sobrecarregar a cadeia de consenso.
- Setor público: projetos de transparência governamental podem usar uma camada de disponibilidade modular para garantir que documentos públicos estejam sempre acessíveis, como descrito no Casos de Uso de Blockchain no Setor Público.
6. Desafios e considerações
Embora a modularização ofereça benefícios claros, ainda há questões a serem resolvidas:
- Coordenação entre camadas: a sincronização entre consenso e disponibilidade deve ser robusta para evitar finality gaps.
- Incentivos econômicos: os validadores da camada de disponibilidade precisam ser remunerados adequadamente para garantir participação suficiente.
- Segurança da DAL: ataques de data withholding podem comprometer a integridade dos dados se não houver mecanismos de penalização eficazes.
Pesquisas recentes, como as publicadas no arXiv, propõem protocolos de penalização baseados em provas de disponibilidade que mitigam esses riscos.
7. Como começar a desenvolver com a Celestia
Para desenvolvedores interessados em experimentar a arquitetura modular, o caminho mais direto é:

- Visitar o site oficial da Celestia e seguir o tutorial “Hello Celestia”.
- Configurar um node de disponibilidade usando Docker ou binaries oficiais.
- Integrar um rollup ou smart contract que publique seus dados na camada DAL, utilizando as APIs de Data Availability Sampling.
- Participar da comunidade no Discord e nos fóruns de desenvolvedores para trocar experiências e obter suporte.
Com esses passos, é possível testar a redução de custos de banda e armazenamento, além de validar a interoperabilidade com outras execuções.
8. O futuro das blockchains modulares
À medida que a demanda por throughput e low latency aumenta – impulsionada por aplicações como jogos, IA e finanças descentralizadas – a arquitetura modular se torna quase inevitável. Espera‑se que, nos próximos 3‑5 anos, a maioria dos novos protocolos adotem uma camada de disponibilidade especializada, seja Celestia, seja soluções concorrentes como Avail ou Polygon Avail. Essa convergência trará:
- Redução de custos operacionais para validadores.
- Maior descentralização efetiva, ao permitir que nós com recursos modestos participem.
- Facilidade de inovação em camadas de execução, já que os desenvolvedores não precisarão se preocupar com disponibilidade de dados.
Portanto, a tese da blockchain modular não é apenas uma tendência tecnológica, mas um marco evolutivo que redefinirá a forma como construímos infraestruturas digitais seguras e escaláveis.
Conclusão
A modularização, exemplificada pela Celestia, oferece uma solução prática para o problema de disponibilidade de dados que tem limitado o crescimento das blockchains monolíticas. Ao separar consenso, disponibilidade e execução, criamos um ecossistema onde cada camada pode ser otimizada de forma independente, resultando em maior escalabilidade, segurança e flexibilidade. Para desenvolvedores, investidores e entusiastas, entender e adotar essa arquitetura será crucial para permanecer à frente na corrida pela próxima geração de Web3.
Se você deseja aprofundar-se nos detalhes técnicos, recomendamos a leitura dos documentos de Celestia e dos artigos acadêmicos citados. E, claro, continue acompanhando nosso blog para mais análises sobre blockchains modulares, DeFi e inovações no mundo cripto.