Implicações de ser um Valor Mobiliário (Security)

Introdução

O universo das criptomoedas e dos ativos digitais tem evoluído rapidamente, trazendo novas oportunidades e desafios regulatórios. Um dos pontos centrais desse debate é a classificação de determinados tokens como valores mobiliários (securities). Quando um ativo é considerado um security, ele passa a estar sujeito a um conjunto de regras específicas que impactam investidores, emissores e plataformas de negociação.

O que define um valor mobiliário?

No Brasil, a definição legal de valor mobiliário está contida na Lei nº 6.385/76, que regula o mercado de capitais. Em termos simples, um valor mobiliário é qualquer direito creditício ou de participação que possa ser negociado no mercado financeiro. Para ativos digitais, a aplicação da chamada Teste de Howey (dos EUA) tem sido adotada como referência para determinar se um token tem natureza de security.

Teste de Howey

  • Investimento de dinheiro;
  • Em um empreendimento comum;
  • Com expectativa de lucro;
  • Derivado dos esforços de terceiros.

Se todas essas condições forem atendidas, há grande chance de o token ser classificado como security.

Principais implicações legais

Quando um token é rotulado como security, ele entra no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e de outras autoridades regulatórias. As principais consequências são:

1. Necessidade de registro

Qualquer oferta pública de securities deve ser registrada na CVM ou se enquadrar em uma isenção prevista em lei. O processo de registro inclui a elaboração de um prospecto detalhado, auditorias financeiras e a divulgação de riscos.

2. Obrigatoriedade de divulgação

Os emissores precisam publicar relatórios periódicos (trimestrais e anuais) contendo informações financeiras, operacionais e de governança. Isso garante transparência ao investidor.

3. Regras de divulgação de insiders

Executivos e acionistas relevantes devem comunicar suas transações com o security, seguindo as normas de “insider trading”.

4. Restrição de plataformas

Corretoras e exchanges que negociam securities precisam estar autorizadas pela CVM e pela B3. Caso contrário, podem ser multadas ou ter suas operações suspensas.

Impactos para investidores

Para quem compra tokens classificados como security, há vantagens e desvantagens.

Vantagens

  • Proteção jurídica: O investidor conta com mecanismos de defesa previstos na Lei de Valores Mobiliários.
  • Maior transparência nas informações sobre o projeto.
  • Possibilidade de participar de assembleias de acionistas, influenciando decisões estratégicas.

Desvantagens

  • Processos burocráticos mais complexos para compra e venda.
  • Taxas de registro e compliance que podem ser repassadas ao investidor.
  • Limitações de negociação em exchanges não reguladas.

Consequências para desenvolvedores e startups

Equipes que criam tokens precisam avaliar cuidadosamente a classificação de seus ativos. As principais implicações são:

Compliance desde o início

Incorporar práticas de governança corporativa, auditoria de código e relatórios financeiros desde a fase de concepção pode evitar a necessidade de reestruturação posterior.

Custo operacional

Contratar advogados especializados, auditores externos e sistemas de compliance aumenta o custo inicial, porém reduz riscos de sanções.

Acesso a investidores institucionais

Tokens reconhecidos como securities podem atrair fundos de investimento, venture capital e outros players institucionais, ampliando a captação de recursos.

Como se adequar à classificação de security

Se a sua empresa concluiu que o token será considerado um valor mobiliário, siga estes passos:

  1. Contrate assessoria jurídica especializada em direito securitário e criptomoedas.
  2. Prepare o prospecto detalhado, contendo objetivo do projeto, modelo de negócios, riscos e informações financeiras.
  3. Registre a oferta junto à CVM ou verifique se há isenção aplicável (ex.: oferta privada limitada).
  4. Implemente políticas de anti-lavagem de dinheiro (AML) e conheça seu cliente (KYC) nas plataformas de venda.
  5. Garanta que a exchange ou corretora utilizada possua autorização da CVM para negociação de securities.

Exemplos práticos no Brasil

Alguns projetos já trilharam o caminho da classificação como security:

  • Token de fundos imobiliários (FIIs): negociados na B3, seguem todas as normas de securities.
  • Security Token Offerings (STOs) de startups fintech: utilizam a estrutura de emissão de debêntures ou ações digitais.

Esses casos demonstram que a regulamentação é viável e pode gerar liquidez e confiança para os investidores.

Desafios futuros

A regulação de ativos digitais ainda está em evolução. Alguns pontos críticos que deverão ser acompanhados:

  • Definição de jurisdição para tokens emitidos em múltiplos países.
  • Integração entre a CVM e a Receita Federal para rastreamento de transações.
  • Possíveis adaptações da Lei de Inovação para simplificar processos de registro de securities digitais.

Manter-se atualizado com as mudanças legislativas é essencial para evitar surpresas desagradáveis.

Conclusão

Classificar um token como valor mobiliário (security) traz uma série de responsabilidades, mas também abre portas para investidores institucionais e maior credibilidade no mercado. O caminho ideal passa por uma análise jurídica detalhada, implementação de boas práticas de compliance e escolha de plataformas autorizadas. Ao entender as implicações e se preparar adequadamente, projetos de blockchain podem crescer de forma sustentável e alinhada às normas brasileiras.